Quando viajamos, o contato com outras culturas nos ensina muito sobre a nossa própria, que temos em casa. É uma oportunidade única para vermos - de fora - a vida que levamos e os valores que regem as nossas relações. Nesse último giro europeu, fiquei impressionado como as pessoas fazem escolhas e interagem de um jeito muito mais livre, sem tantos padrões e preconceitos. E logo vi como nós aqui do Brasil limitamos as nossas possibilidades. Resolvemos nossos problemas de identidade assumindo posições de forma definitiva. Mergulhamos em um vidro com um rótulo, fechamos a tampa e ya está. Como palmitos na prateleira de um supermercado.
A naturalidade com que héteros e gays convivem e se misturam na Europa só revela o quanto a sexualidade de cada um não precisa ser determinante o tempo todo. Nas melhores baladas, que são mistas, no papo com gente nova as pessoas não querem saber se você é hétero ou gay - porque isso não faz a menor diferença. As pessoas saem de casa com o único propósito de se divertir e conhecer outras pessoas, sem delimitarem seu olhar, muito menos se separarem em tribos. Aqui no Brasil, é cada um no seu quadrado: techno para os "clubbers ortodoxos", trance para os "playboyzinhos eletrônicos", drum n'bass para os "manos", electro para os "moderninhos" e tribal para os "viados". Os héteros que ousam quebrar essas barreiras e ir à The Week agem como se estivessem num zoológico, e depois ainda ficam se vangloriando da proeza, como se visitar um espaço gay os credenciasse como pessoas "de cabeça aberta" e "modernas".
Enquanto isso, em clubes europeus como Berghain, Space, Razzmatazz e Rex, pessoas de diferentes backgrounds, sexualidades, estilos e condições financeiras (tomo aqui o cuidado de não dizer "tribos") sabem que a noite é mais divertida quando a pista é eclética: há muito mais coisas para trocar quando os universos envolvidos são diferentes. Aqui, busca-se anular a diferença, massificando os gostos e padronizando o vestuário, na ânsia de pertencer; lá, a individualidade é respeitada e até apreciada - a marca pessoal de cada um é mais do que bem-vinda. Pertencer para quê, se eu posso estar quando eu quiser, e depois mudar?
Mas foi nos antros da perdição que eu tive o maior choque: a dicotomia ATIVO x PASSIVO não existe. Isso é coisa de brasileiro (e norte-americano). Aqui, quando você se interessa pelo amigo do seu amigo, invariavelmente "levanta a ficha" do possível pretendente: mas o que ele curte, hein? Os dois são ativos? "Luta de espadas, melhor não!" Dois passivos? "Quebrar louça, Deus me livre!". Lá não existe uma preocupação antecipada (e pré-eliminatória) com a questão: é o momento que dirá o que vai rolar entre os dois. E ninguém perde a viagem, pode apostar - se o cara é interessante, as possibilidades são infinitas.
Aposto um milhão de dólares que vários caras com quem eu estive tinham a mesma "polaridade" que a minha - e foram momentos ótimos, intensos, saboreados, que renderam. Sem papéis, prisões, grilos, neuras. Gosta de ser o machão? Fine! Nasceu para ser putinha a vida inteira? Que bom! Mas se de repente o machão quiser ser dominado, ou a mulher-de-malandro decidir virar a mesa, ninguém vai reclamar de "incoerência" - como em incontáveis perfis do site Disponível, que são taxativos, aos berros: "não quero versáteis! quero quem sabe e assume o que quer!". Ora, não pode ser muito mais legal não saber o que se quer e ter a oportunidade de descobrir? Poder se entregar a uma vida de delícias, passar um tempão sem um comer logo o outro e consumar a divisão de tarefas homem-mulher, e ainda assim ambos gozarem por todos os poros, sentirem o cheiro, o gosto e desejarem o corpo inteiro um do outro, não só o pipi e o popô?
Aqui no Brasil, não se consegue isso. Por que? Porque vivemos uma vida de pré-conceitos e não temos coragem de ir além. Negros têm pauzão. Garotos namoram coroas por interesse. Bombados são passivérrimos. Japonesas são gueixas submissas na cama. Mora na Zona Leste ou além do Rebouças? "Urgh". Quem vive em Manaus vai de cipó para o trabalho. Somos apenas isso porque nós nos condenamos a isso. Mas poderíamos passear, transitar e ter o mundo inteiro para nós, se quiséssemos. E encher o nosso carrinho de supermercado com muito mais do que uma montanha de vidros de palmito.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Palmitos na prateleira
Postado por Thiago Lasco às 12:28 PM
Marcadores: comportamento, gay
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23 comentários:
concordo com vc, e tive experiências como vc exemplificou no post, que foram incríveis.
Onde a hipocrisia toma conta o "despreparo" fica em evidência.
parabens
Ótimo post e eu adorei o termo "polaridade"!!
E realmente, nunca me senti tão confortável sobre todos os aspectos...
PARABÉNS! PARABÉNS! PARABÉNS! TEXTO MUITO INTELIGENTE. CONCLUSÕES E PENSAMENTOS ISENTOS E CORRETOS. JÁ FUI PARA A EUROPA MAS NÃO ME RELACIONEI AFETIVAMENTE/SEXUALMENTE COM NINGUÉM DE LÁ, MAS PELO QUE LEIO E PELO QUE PERCEBO AQUI NO BRASIL, HÁ MUITA DIFERENÇA. GAY BRASILEIRO TÊM MESMO ESSA PREOCUPAÇÃO DE QUEM VAI SER ATIVO, QUEM VAI SER PASSIVO... TEM DE COMER LOGO, DAR LOGO, TUDO SÃO "PRELIMINARES" QUE DEVEM SER PASSADAS LOGO ADIANTE E IR COM PRESSA AO "PRINCIPAL"? PRINCIPAL??? QUEM FALOU QUE FODER É O PRINCIPAL NO SEXO? MAS AS PESSOAS SEGUEM ESSE PADRÃO IDIOTA, ESSE SCRIPT TOSCO. PARECEM MUITOS HÉTEROS QUE SÓ QUEREM COMER A MULHER E NADA DE CARÍCIAS, SEXO ORAL... E O POVO TÁ FICANDO CADA VEZ MAIS RADICAL. 10 ANOS ATRÁS, NÃO ROLAVA ESSE TIPO DE PERGUNTA, A COISA ACONTECIA, MUITAS VEZES BEM LEGAL. HOJE, JÁ PODERIA VIR ESCRITO NUM CARTÃO DE VISITAS: "FULANO, PASSIVO"; "CICRANO, VERSÁTIL COM TENDÊNCIA A ATIVO". E O GAY QUE NÃO CURTE SEXO ANAL, ENTÃO? É VISTO COMO ET, DOENTE, LOUCO, MAL-RESOLVIDO, QUANDO ISSO MUITAS VEZES NÃO TEM NADA A VER, HEHE, INTERNAMENTE, CHAMO A ISSO DE "DITADURA DO CU". CADA QUAL SABE DO QUE GOSTA E PODE TER A LIBERDADE DE EXERCER SEU TESÃO, SEM SER COBRADO PRA ENTRAR NUM PADRÃO. A CONVIVÊNCIA ENTRE DIFERENTES TIPOS DE PESSOAS, ENTRETANTO, SABEMOS QUE JÁ FOI PIOR AQUI. HOJE ATÉ ROLA, COMO VC MESMO DISSE, MAS AINDA É ALGO BEM SUPERFICIAL. GOSTARIA DE VER ISSO BEM MAIS GENERALIZADO E FLUIDO, EM TODOS OS SENTIDOS. SERÁ POSSÍVEL?
Cabe a nós multiplicar esses conceitos e acabar com essa sexualidade de fachada que impera no mundinho.
Nao quero com isso enaltecer o "primeiro mundo". sou brasileiro e tenho que mudar a realidade aqui, mas tudo seria mais fácil se tivessemos a coragem de quebrar com todos os preconceitos, inclusive os nossos.
Gostei muito do texto.
Parabéns!
É claro que as possibilidades de diversão são maiores para quem não tem certas limitações e regras.
Mas quando alguém diz "quero somente isso ou aquilo", não é pq escolheu ser assim, é pq aquilo é o que de fato lhe dá tesão. Não sou contra.
Além disso, lendo o texto, dá a impressão de que por aqui SÓ TEM gente bitolada que não olha além da viseira sexual. E isso definitivamente não é verdade.
Atire a primeira camisinha aquele que nunca teve um comportamento "sexualmente provinciano". Pelo menos é isso que o texto sugere que somos.
Renato, não estou aqui para discutir o tesão de ninguém. Impor a ditadura dos versáteis seria tão absurdo quanto. Apenas disse que a minha vivência me fez enxergar o quanto os brasileiros são presos a tribos, rótulos e regras em geral - não apenas no sexo. Mas cada um prefere o que quiser - aliás, é esse o espírito do texto.
Concordo, concordo e concordo. Mas sabe que na Europa alguns me perguntaram sim se eu era ativo ou passivo? A diferença é que, pelo menos pelo que me pareceu, isso não ia fazer muita diferença; eles só queriam saber, talvez, o que é o que os esperava. Também me surpreendi, por exemplo, como heteros que estavam numa balada predominantemente gay vêm conversar sem o menor problema, inclusive com a namorada. No começo até achei que eles estavam querendo algum jogo duplo, mas depois vi que só queriam ser simpáticos mesmo "cos turista"
O renato borges falou em "sexualmente provincianos" e a minha experiência de campo diz que o termo não é nenhum aburdo...o que esperar de um país onde religiosidades e moral ainda são a pauta do dia? enfim...o texto ficou maravilhos e foi direto ao assunto!
Clap, clap! Assino embaixo.
realmente somos retrógrados.. e preconceituosos.. a "boa eduação" que temos por essas bandas não ajuda muito né?..
adorei a honestidade: "que vários caras com quem eu estive..."
ótimo post, como sempre. e deixa de pensar que você às vezes escreve demais. pura bobagem. abraço!
Nossa concordo total.
Nosso atraso realmente é impressionante e assumo esse meu lado de rotular, culpa da imposição à nossa cabeça.
Gosto sempre dos seus textos, mas achei este meio "provinciano"e auto-preconceituoso (pode parecer dúbia a colocação) !!!Vivo em São Paulo, convivo com pessoas maravilhosas, sem rotulos!!!Acho divertidíssima a convivência harmônica que a cidade estabeleceu entre aquilo que alguns rotulam como "tribo"!!Sinceramente, não vejo diferença na mescla de estilos nas boites aqui de Sampa (seja hetero ou gay) com as da Europa!!!pelo contrário, conto nos dedos brigas que presenciei entre "tribos" nas boites que frequento aqui em Sampa, e olha que não são poucas rsrsrs!!!Quanto ao preconceito na Europa ele existe sim e é grande, mas para senti-lo há que se viver lá...Além do preconceito sexual, social, existe o da nacionalidade, muito, mas muito pior do que o que praticamos entre as pessoas de outros estados no Brasil!!O que eu tenho observado é que com diminuição do preconceito contra os gays pela sociedade(temos que admitir que melhorou muito!!)a discriminação e o preconceito começou entre os próprios pares, criando "sub-tribos"que são rotuladas e discriminadas entre os proprias!!!Parece que o preconceito é uma necessidade no n meio gay!!!!
O que ocorre é que quando viajamos procuramos locais frequentados por cidadães do mundo, que são pessoas abertas, sem preconceitos,enfim,que estão contribuindo para a verdadeira globalização, com a troca pessoal dos seus sentimentos!!!
Esta é a minha opnião, e não tenha dúvida que se eu escrevi tudo isto pra vc é porque te respeito,curto seus textos, e hj tive uma opnião diferente de sua, o que é raro!!!!!!Bjo enorme, Márcio G.
Acho que esta mentalidade / atitude a que vc se refere nada mais é que fruto da nossa tradição católica cheia de dogmas e preconceitos.
Então, o que deve ficar bem clara é a separação entre 'guetos' e o desejo sexual. Concordo com o Renato de que tesão não traduz um grupo, mas sim uma vontade natural, que não pode ser controlada. Se você quer transar, ama ser ativo e sente uma atração imensa por saber que seu parceiro-temporário é passivo, por que alimentar outras chances? Ok, é bacana experimentar, mas nem sempre estamos dispostos a isso, o que não configura uma limitação propriamente. Vai do momento e da experiência de cada indivíduo.
Concordo com você quanto aos esteriótipos clássicos das "barbies", baladas de grupos homogêneos etc. Isso é uma bobagem imensa, mas é uma realidade que os próprios gays amam sustentar, e não só no Brasil. Meu amigo que mora em Londres me disse que lá não é muito diferente. Os próprios homossexuais gostam de se auto-classificar, e o esteriótipo mais aceito é o da bee global, que viaja horrores, tem zilhões de calças Diesel e mantém um corpo em dia. De preferência ativo ou versátil, porque ser passivo é um demérito inexplicável.
E somos todos direcionados a um olhar, a uma idéia. É impossível ter uma isenção. Na Europa esse olhar pode ser mais amplo, de fato. Acho bacana essa quebra dos 'enlatados', como você próprio compara, mas acredito que o Brasil não está preparado pra isso.
fantástico.
Será que sou só eu que não concordo com o q vc disse?
Eu já viajei p varios países e me desculpa mas as coisas lá fora não são tão diferentes do que são aqui no Brasil não!
O povo brasileiro é bastante aberto e muito mais flexível do que outras culturas.
Quanto ao que vc diz de interação hetero/gay, dá pra escolher no dedo os países que isso acontece com naturalidade.
Não generalize o que vc ve em algumas capitais para a Europa inteira, nem muito menos para os países desenvolvidos. Pq com certeza não é assim nos EUA (nem mesmo em NY!), Austrália, Itália...
Acho que tem outro ponto também importante nesse assunto: baixa auto-estima e auto-afirmação. É quando o sexo é visto como credencial, medidor de qualidades e defeitos, sexo dando ou tirando valor. Ou seja, a partir do momento em que o cara é (ou quer ser) admirado pelo seu papel sexual, é sinal de que, além de querer fazer sexo, ele precisa ter seu desempenho na cama, e seu valor como pessoa, validados. Até aí nada de tão sério, não fosse isso levado ao extremo, ou seja, a pessoa fazer da sua sexualidade não apenas fonte de prazer (o que por si só eleva auto-estima), mas transformar toda a energia sexual que tem dentro de si em um adereço, como se fosse um tênis caríssimo ou um carro importado. O desejo vai sempre esbarrar em contextos fora da pessoa, afinal, somos seres que interagem e não vivemos sozinhos. Tem gente que (acha que) facilita a vida definindo(-se). Gostar de A, B ou A+B é pessoal e intransferível. Quem se importa com o gosto dos outros, aliás? Mas, às vezes, dá aquela impressão de que realmente tem gente (nós?) que trepa olhando pra si mesmo no espelho (seja isso metáfora ou não). É sexo-masturbação. É sexo-troféu. Nesse contexto, fica difícil existir muita espontaneidade, muito menos surpresas. Tanto que acontece daquele cara com um gosto/perfil muito bem definido que às vezes deseja algo diferente, mas faz "escondido", pra não macular a imagem. Como já disse alguém, strike a pose.
Quando se escreve sobre comportamento, é impossível não fazer comparações, até porque é através dela que estabelecemos parâmetros. Sua análise sobre como gays ou HTs lidam com sua sexualidade aqui está corretíssimo e não implica em pensar que você acredita que não haja exceções. As coisas têm melhorado, mas que estamos atrasados estamos.
Xande Carioca
Olá,
Os seus posts continuam excelentes. Como sempre!
Após a leitura deste, algumas notas:
a) Apesar da partilha da lingua, não conheço muito bem, direi mesmo quase nada, da cultura brasileira. Estive no Brasil uma única vez e ler todos os Brasileiros através dos Brasileiros que conheci nas pouco mais de duas semanas que estive aí, não me parece justo.
b) Fora do Brasil, já me cruzei com muitos brasileiros em diferentes países, em diferentes situaçõesde e de diferentes niveis sócio culturais, mas não consigo perceber, e acho injusto se o fizesse, se os brasileiros que conheço, são mais esteriotipados que os italianos, holandeses, portugueses, espanhois, ingleses e por aí fora que conheço, porque penso sempre que se penssasse isso, o esteriotipado estaria a ser eu.
c)Quanto ao activo/passivo, não tenho amostra representativa para me pronunciar ;(
d) Não sei se na Europa há mais preconceito que no Brasil. Mas penso que posso afirmar, que aEuropa é um continente com culturas muito diferentes entre si e com diferenças abissais entre si, no que aos direitos dos gay diz respeito.
e)Sinto, e repito sinto, porque apenas baseado na minha vivência pessoal e por isso apenas estarei a ver a realidade pelas lentes dos meus óculos, que talvez começe a haver em alguns paises da Europa, e apenas em alguns, e apenas em certos meios sócio-culturais, uma maior aceitação da diversidade. Diversidade sexual, diversidade fisíca, diversidade intelectual, social, económica, cor da pele e no meio gay, acrescentaria: diversidade etária.
P.S. Lembra o seu comentário acerca do meu post da party Rapido em Amsterdam? ;))
Abraço
x
http://poorguyfashionvictim.blogspot.com
também tenho que discordar quanto ao fato de que em outros países isso seja uma maravilha.... estudei numa universidade bem "cosmopolita" na Inglaterra e as pessoas com quem eu convivia(de diversos países e continentes)tinham uma dificuldade muito grande de, por exemplo, lidar com a bissexualidade..... somos um país muito mais "open mind" do que pensamos... inclusive quem já frequentou as baladas gays de Londres sabe como as divisões entre as baladas dos "sarados drogados"(coisa que importamos pós estilo the-week) ou por exemplo dos "teens bichinhas" são mais realçadas do que conosco... mas aí vou re-editar o argumento já exposto acima, acredito que sua visão do "lá fora" tenha se baseado em experiências com as pessoas "certas" na hora "certa"... fora isso, é fato que a educação/esclarecimento amplia a visão de mundo... bastar perceber como os políticos (vide eleição americana) se apropriam da ignorância alheia e ganham votos com as questões morais, em cima dos "bons costumes"... e em termos de educação, aí não tem como discordar.... somos muito mais atrasados.
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