terça-feira, 19 de abril de 2011

Lúcio e o sexo

Não levem a mal: Lúcio sempre gostou de sexo. Desde que provou o toque, o cheiro e o beijo daquele antigo vizinho, ele soube que precisaria sentir aquela fisgada fatal muitas outras vezes. E assim foi - primeiro nas escadarias do prédio, depois nos antros da vida. Nos últimos tempos, porém, entre uma cervejinha e outra no barzinho habitual da Savassi, ele dizia aos amigos que via o sexo como algo superestimado pela sociedade. Tudo começa e termina nele; sexo é o que faz o mundo girar e as pessoas comprarem roupas, saírem de casa, abrirem a carteira. E se interessarem umas pelas outras, antes mesmo de descobrirem quem são. O resto é balela.

Contra essa realidade, que garantia o emprego de muitos publicitários como ele, Lúcio não lutava. O que ele questionava eram os critérios que determinavam as escolhas no mercado dos afetos. No frigir dos ovos, tudo se reduzia a uma questão de tamanhos e medidas: de peito, de braço, de porte, de dote. O desempate entre os pretendentes se fazia da mesma forma como sua mãe buscava a melhor alcatra entre diversas bandejas embaladas a vácuo no supermercado: analisando aqui, apalpando ali, escolhendo uma e descartando as demais.

E foi justamente no supermercado que a vida de Lúcio mudou. Numa noite de sábado, a caminho de uma festa em Lourdes, o rapaz parou no Verdemar do Sion para escolher um vinho para os donos da casa, umas bichas gentilíssimas e de extremo bom gosto. Lúcio era um ótimo garfo, mas não entendia nada de bebidas, e ficou perdido em meio a tantos rótulos na prateleira. Foi quando percebeu que estava sendo observado. Olhou para a direita e um homem um pouco mais velho do que ele lhe abriu um sorriso luminoso. Alan se apresentou e já foi oferecendo ajuda. Ia ser vinho mesmo? Que tal champagne, um prosecco geladinho numa noite como aquela? Esperto, Alan disse que também iria levar uma garrafa, e convidou Lúcio para um trago sem compromisso. Depois, Lúcio poderia deixar o carro estacionado e ir para a festa a pé, já que o homem também morava em Lourdes.

Poupemos a parte dos galanteios: o que importa é que Lúcio não tinha nada a perder, topou o convite e, ao final da segunda taça, aquele estranho sedutor lhe deu o bote. Transaram, tomaram mais uma, começaram a conversar sobre a arquitetura de Belo Horizonte e perceberam que tinham afinidades. Começaram a sair, e Lúcio descobriu que Alan reunia todos os requisitos para ser o marido ideal. Tinha um ótimo papo, era inteligente, carinhoso, sensível, falava bem - e também sabia ouvir. Curtia bons filmes, nutria a mesma paixão por Barcelona, tinha até morado lá. Arrasava na cozinha, tinha especiarias tailandesas na gaveta e fazia um pesto maravilhoso. Sabia fazer massagem, tinha amigos divertidos e era um companheirão. Valorizava Lúcio integralmente, por dentro e por fora: como profissional, como amigo, como homem. E era bonito. Lúcio não pôde deixar de reparar nos braços de Alan ainda no Verdemar, enquanto ele manuseava as garrafas.

Tudo perfeito, não fosse um pequeno "porém". Se no primeiro encontro a magia do inesperado ajudou tudo a fluir a contento, não demorou muito para Lúcio sentir que havia algo errado. Em poucas semanas, sua libido foi arrefecendo, minguando... e ele percebeu que não tinha tesão no parceiro. O tempo junto dos dois era incrível; a companhia de Alan era tão prazerosa que Lúcio, pela primeira vez, sentiu que não dependia dos amigos para nada. Havia entre os dois um carinho, uma cumplicidade, como se já tivessem se passado meses. Lúcio adorava passar o domingo jogado na cama com ele, abraçado a ele, conversando, ouvindo música e recebendo seus cafunés. Alan, que estava amarradão, queria tudo isso - e também sexo. Mas para Lúcio a coisa não funcionava: os beijos não o excitavam e, quando transavam, ele se sentia cumprindo um débito conjugal. Se o problema estava claro, a ideia de abrir o jogo com Alan - e magoá-lo, e provocar o fim da relação, e perder um cara tão fantástico - também não lhe agradava nadinha. Uma sinuca de bico, como dizia seu tio de Araxá.

Numa noite de terça-feira, Lúcio convocou uma reunião etílica de emergência com Juarez, o melhor amigo que tantas vezes lhe clareava os caminhos com palavras sábias. Juarez veio com sua maneira toda revolucionária de enxergar as coisas. "Quem disse que nós precisamos satisfazer todas as nossas necessidades com a mesma pessoa? Você encontrou um cara que te completa, que combina com você. Um companheiro, num tempo em que isso é raro, que as pessoas não se permitem mais, não se deixam conhecer. Isso é especial! Ninguém é perfeito: o Alan não te realiza por completo, mas realiza de várias maneiras. Ora, viva essa relação no que ela tem de melhor! E o que estiver faltando, você busca por fora. Simples assim! Ou você acha que os héteros não fazem isso? Todo mundo faz, honey! Nenhum ser humano é capaz de esgotar nossos fetiches, nossos desejos, porque eles são plurais e dinâmicos. Você acha que um casamento se mantém pelo sexo? Pois o sexo invariavelmente esfria. Depois que passa a novidade, é o resto que segura a relação. E esse algo mais vocês já têm. Será que você é que não está supervalorizando o sexo dessa vez?"

Como sempre, os conselhos de Juarez não eram fáceis e Lúcio se pôs a digeri-los. Será que ele estava reproduzindo meras convenções sociais, e deixando que elas limitassem suas possibilidades? Querer ter alguém e desejar só essa pessoa, e vice-versa... parecia ser assim com seus pais e com boa parte dos casais. Seria tudo um jogo de aparências? De fato, ele até conhecia alguns casais que defendiam a abertura da relação como forma de sobrevivência do casamento - mas isso vinha depois de anos. Lúcio mal começara o namoro e já não queria mais transar com Alan. Por melhor que soasse o discurso de Juarez, concluiu que não podia aplicá-lo. Não seria justo - nem com Alan, nem com ele próprio.

Quis contar toda a verdade, mas os amigos proibiram: quanta crueldade, não se fala para alguém apaixonado que ele não te provoca tesão! Você vai acabar com ele, seu insensível! Cedeu aos apelos gerais e se saiu com uma desculpa protocolar, do tipo "o gato subiu no telhado". Esperava assim conseguir o impossível: terminar e não machucar, dar um pé na bunda e ganhar um amigo. Afinal, gostava muito de Alan e queria que ele continuasse em sua vida - da porta do quarto para fora. Mas não se pode ter tudo. Por maior que fosse seu empenho, Alan estava com os brios feridos e nunca mais falou com ele. A Lúcio, restou lamentar a perda e encarar a experiência como mais uma bola na trave. Talvez no próximo chute conseguisse finalmente marcar um gol.

8 comentários:

Bel Ami disse...

To me sentindo Alan, mas e você Thiago, continuaria amigo do Lúcio?
Beijo!

Lucas disse...

Ninguém continuaria amigo do Lúcio, eu acho. Talvez meses depois. Ou anos.

Enfã...quem nunca? Daí você acha alguém que o sexo é ma-ra-vi-lho-so mas vc não consegue passar mais de 10 min sozinho com a pessoa pq o papo simplesmente não flui. Ou flui mas pro lado errado.

Queria ser que nem o Uomini e muitos por aí: viciado em sexo, sem a necessidade de achar alguém pra algo sério.

Life sux. Big time.

Daniel Cassus disse...

Queria ser que nem o Uomini e muitos por aí: viciado em sexo, sem a necessidade de achar alguém pra algo sério. [2]
Mas eu não sou. Sou o anti-uomini. Vim do Mundo Bizarro do super-homem.

Anônimo disse...

O Juarez tem razão até certo ponto. semana retrasada eu conversei com um ex-casal de amigos (são ex-casal, mas são amigos entre si e meus). eu sempre os via solidamente juntos. Nem imaginava que a relação deles fosse aberta. perto do fim do namoro eu descobri q era meio aberta e um deles me confessou q é inevitável. No nosso meio, um dia todos abrem a relação porque é da nossa natureza masculina.
No caso do Lúcio tem a questão de ter acontecido tão cedo. Talvez não fosse para ser mesmo.
eu tb conheci um casal inglês numa sauna que estão juntos há 10 anos. são até casados mesmo e estavam ali numa sauna pela 2a vez na vida. Um deles (justo o mais bonito em que eu estava interessado) estava muito inseguro sobre pular a cerca, mas estava tranquilo quanto ao namorado.
eu expus que conheço gente que faz isso há anos sem problema, que isso só fortalece que o vínculo entre eles vai além do sexo, mas tb por experiencia própria, isso tem seu preço na relação e é algo que eu não desejaria repetir. Eu prefiro me afastar das tentações e curtir meu namorado (quando eu o tiver) com momentos nossos.
Até hoje eu não tenho opinião formada se dessa água eu nao beberei novamente. se eu beber, que pelo menos seja depois de muitos anos de construção de uma relação sólida e um patrimônio juntos como no 1o caso em que isso não abala a relação.

RRL disse...

Fiquei sem palavras! Por que tem que ser assim?!! Por que a pessoal que lhe dá um tesão alucinante é justamente aquela que vc não consegue passaar mais de dez minutos conversando? E por que aquele que vc admira como pessoa, como cabeça, como tudo é sempre visto como um querido amigo?! Enfim... life sux (2)

Marcos - SC disse...

Gostei do texto. Só nos resta, também, lamentar pelo triste fim da história de Lúcio.
Achei revelador o trecho dos 'requisitos para ser o marido ideal'. Se Lúcio tinha durante todo o tempo essa listinha de requisitos na cabeça, então... realmente já era de se esperar que o casinho durasse poucas semanas - sempre haverá a dúvida de existirem candidatos ao 'emprego' de 'marido ideal' com propagandas mais apetitosas e chamativas. Lúcio, que pena, não sabe viver fora desse mercado.

Anônimo disse...

Não teria Alan a mesma essência invulgar pela qual Lúcio não consegue se apaixonar em si mesmo? Se for assim, realmente o que resta é só sexo. É a superfície. E pelo tempo que durar a superfície tão inexoravelmente perecível do animal humano.

Mas talvez exista uma luz nessa rápida possibilidade de encontro com a qual Lúcio se permitiu flertar. A possibilidade de ir além. De aprender a se deliciar com sabores mais elaborados. De não se limitar a um mundinho tão pequeno e de escolhas fáceis no qual Lúcio se sente seguro.

Explorar um mundo maior é paradoxalmente assustador e delicioso. Particularmente mais assustador se acreditamos no desvaler e na desqualificação que nos apregoam o que nos querem fora. Medo inevitável. Necessário, até, por pura autoproteção. Para se manter íntegro.

Mas eu acho acontece com Lúcio, o mesmo que acontece com tantos outros Lúcios. Ele não conseguiu ir além do medo. Ele não conseguiu rechaçar os insultos. Ele não conseguiu enxergar e, plenamente, se apropriar do que o torna diferente e, portanto, especial. Ele optou por permanecer dentro do ovo.

A tragédia não está no desejo mais intenso que Alan não despertou em Lúcio. A tragédia está na falta de tesão que Lúcio tem por si mesmo.

É o que se poderia chamar de maldição de Groucho Marx que certa vez mandou um telegrama para um clube que o havia aceito com a seguinte frase:

"PLEASE ACCEPT MY RESIGNATION. I DON'T WANT TO BELONG TO ANY CLUB THAT WILL ACCEPT PEOPLE LIKE ME AS A MEMBER".

TONY GOES disse...

"Juarez", hahaha