quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mais Café e menos Red Bull?

Mais uma Semana da Parada está chegando e os principais clubes paulistanos já anunciaram sua programação. No geral, tudo será parecido com os anos anteriores: são festas pensadas para receber o grande número de turistas que desembarcam na cidade. É o nosso Carnaval gay fora de época. Tudo é mega por definição, e não dá para ser de outro jeito. Nas noites cotidianas, porém, vem se esboçando uma mudança de comportamento. O formato de megaclube, que deu o tom da cena dos últimos anos, ainda dá um bom caldo, mas está crescendo uma demanda por algo diferente.

Quem encarna o paradigma vigente e o representa da melhor maneira é a The Week, que segue firme como o maior clube do país. André Almada e seus sócios não tiveram uma ideia nova - o padrão foi apropriado da finada festa carioca X-Demente, que, por sua vez, bebeu na fonte das circuit parties norte-americanas - mas lapidaram o conceito, incorporando um nível de conforto e profissionalismo que deram grande visibilidade à marca, fazendo dela uma referência em todo o Brasil e até mesmo lá fora. Não é exagero dizer que todas as casas gays do Brasil hoje querem ser a The Week, da Black Box de Curitiba à Vogue de Natal.

O espaço da rua Guaicurus continua a todo vapor, e nem mesmo a abertura de outros dois clubes - de porte similar, na mesma região e teoricamente voltados ao mesmo nicho - abalou o movimento da casa. Mas, se o sucesso da TW atraiu rostos novos e até tribos novas (os héteros chegaram como paraquedistas eventuais e hoje são uma realidade, muitos são clientes cativos), há frequentadores da "velha guarda" que deixaram de dar as caras por lá. É que, com tudo de bom e mágico que existe no autodeclarado Universo Perfeito, divertir-se nele pode dar um trabalho danado.

O ritual começa com a preparação do corpo, que deve estar esculpido dentro de rígidos padrões impostos e descansado para enfrentar uma verdadeira maratona, para a qual toda ajudinha etílica ou sintética será válida. Depois, é preciso ter paciência e espírito esportivo para enfrentar a fila do estacionamento, do bar e do banheiro, assim como a lotação da pista, em meio a pessoas nos mais variados estados de espírito e consciência. E sempre correndo o risco de ter pertences subtraídos sorrateiramente, prática difícil de coibir na multidão.

Por essas e outras, algumas pessoas não chegaram a pendurar as chuteiras, mas sentiram que aquele modelo de jogação já não as satisfazia completamente. Até porque lá se vão mais de cinco anos repetindo a mesma brincadeira. Para elas, ainda pode ser legal ir a um clube grande e ter uma noite grande, pesada, superlativa, mas às vezes tudo o que querem é algo menor, mais simples, mais intimista. Um lugar para ver gente, encontrar os amigos e conhecer pessoas - tendo espaço para conversar, fazer contato visual, flertar. Como antigamente. Como às vezes se torna difícil fazer nos megaclubes.

Nesse contexto, meio que por acidente, um novo player da cena atirou onde viu e acertou onde não viu. Sim, estou falando do Duda Hering e seu Café Com Vodka que, à sua maneira, tornou-se um case de sucesso na noite gay paulistana. No espaço reduzido do Sonique, o CCV consegue entregar justamente o que falta num clube grande: a possibilidade de conversar e interagir (ainda que não dê pra chamar o projeto de "descontraído" nem "despretensioso"), sem ter que afundar os dois pés na jaca. Não é preciso nem perder a noite de sono.

Uma outra questão importante é a própria segregação interna do meio gay, muito mais imerso em preconceitos do que deveria. As bunitas buscam a sensação de exclusividade, querem um microcosmo irreal e sem diferenças, e o sucesso de um megaclube de predicados estelares leva inevitavelmente à popularização. Hoje, a TW é uma atração turística de São Paulo. Para ela, todo dinheiro que entra é dinheiro (e devem ser rios de dinheiro), mas, para quem aspira ao público dito "AAA", o risco de ver o "nível" da pista cair é um verdadeiro fantasma. Que Deus livre a TW de um dia se tornar uma Flexx: um clube aberto por uma bunita, que vive lotado, mas não é prestigiado justamente pelas bunitas amigas do dono.

Como o Café com Vodka é pequeno, nasceu e se organizou em torno de uma panelinha, é muito mais fácil controlar a procedência das mercadorias expostas na prateleira. Duda é esperto, bem relacionado e aciona a colaboração dos seus amigos mais próximos para que estes emprestem sua estampa ao Café e confiram uma cara própria ao projeto. As recentes brincadeiras de recrutar os fiéis soldados da casa para brincarem de garçons ou se apresentarem vestidos de mulher são exemplos totalmentes ilustrativos, e muito menos ingênuos e desinteressados do que podem parecer. Gerou-se um frisson, um marketing direcionado e eficiente, que circulou apenas nos Facebooks de quem interessa, reforçando a imagem de reduto de bunitas. Talvez um dia essa fama atraia paraquedistas e dilua a tão perseguida sensação de exclusividade - mas o apelo do Sonique à massa é muito menor do que o das instalações espetaculares da TW.

No frigir dos ovos, não se trata de anunciar a superação do paradigma do grande clube. A TW continua imbatível dentro da proposta dela. Recentemente, depois de repaginar a pista 2, colocou deliciosos sofás em volta da piscina, deslocou o fumódromo e conseguiu melhorar o que já era incrível. Mas já cresceu e inventou tanto, que vai ficando cada vez mais difícil surpreender o público. Por outro lado, a demanda por outros perfis e formatos de diversão é uma realidade, e explica o sucesso de iniciativas como o TV Bar no Rio e o próprio Café Com Vodka em SP. É ótimo que haja opções para todos os gostos e vontades e, por mais que a cena gay paulistana seja a maior do Brasil, ainda existem lacunas a se explorar. Temos três (!) megaclubes e pelo menos outra meia dúzia de boates médias, mas nem mesmo um único bar gay bacana. O Piaf veio cheio de boas intenções, mas não decolou. Quem vai ter essa ideia?

22 comentários:

Rafa disse...

Apesar do Rio ter muito menos opções que sampa, eu ando bem feliz com o Tv Bar... música eletrônica definitivamente não é a minha, e o pop de lá é o que me faz balançar o esqueleto. Fui na The Week uma vez aqui e me senti super deslocado. Abç!

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Estou indo novamente para Sampa neste período de Parada ... mas sinceramente ... estas badalações me cansaram ... ando preferindo mais variar do cult ao underground ... dos programas culturais às putarias relaxantes ... rs

bjux

;-)

Horácio Boulaye disse...

Thiago,
Apesar da sensação de estar na materialização de “Modernidade Líquida”, a noite de São Paulo me agrada muito. Como você disse, a The Week virou um ponto turístico de São Paulo. A primeira vez que ouvi falar sobre ela, foi um relato de um colega aqui do MRE. Ele disse que era maravilhosa, mas não era um lugar para a gente, e que existia uma repulsa por quem não correspondesse a um padrão não escrito, mas explícito. Em Brasília, ser diplomata (apesar de estarmos eternamente no patamar de classe média) ainda é paradigma da classe AAA. Talvez por causa do reconhecimento social do esforço para passar no concurso, somos bem tratados e bem quistos aqui, sem sermos nem de longe “phynos” (como vocês dizem aí) e, de corpos, esse ministério anda mal...
Dois amigos e eu ficamos interessados e fomos a The Week pela primeira vez em 2006. O papo de algumas “bunitas” assustou um pouco (naquela época, a gente as contava nos dedos aqui em Brasília, não eram tantas como hoje), mas a experiência foi maravilhosa. E, sério, mesmo com nossos corpos para lá de normais e com nossas identidades vermelhas não valendo nada naquele ambiente, deu para flertar e conhecer gente muito legal. Não só nessa primeira vez, mas em todas as outras. Talvez seja esse o segredo da The Week. Quando você não está liquefeito, alguém lá sempre acaba percebendo. Afinal, são quase 4 mil pessoas.
Ah! Jogando a culpa para o seu lado, eu e os meninos daqui ainda não fomos ao Café com Vodka por sua causa!!! Traumatizados com seu primeiro relato. Abração!

Marcus Lara disse...

Realmente SP está precisando de mais opções, coisas mais calmas...o Veermont podia ser assim, só que é um lugar frequentado por outro público, sei lá...
Gostei da parte que vc fala da Flexx, um club que o dono é uma bunita e não é frequentado pelas proprias bunitas amigas do dono...rs
E vamos que vamos para a jogação das festas, com alguma ajudinha etílica ou sintética (adorei essa parte).

Daniel Cassus disse...

A cena muda. O público vai se renovando. Quem já está há mais de 5 anos na cena se cansa e procura outras diversões. Por outro lado, sempre tem gente novinha se descobrindo e saindo pela 1a vez e assim que a máquina gira. Manter o clube popular ao longo dessas ondas é um pouco como ser equilibrista de pratos. E nem é uma ciência exata. Aliás, nenhum clube é eterno. Até os sócios dos megaclubes sabem disso e já devem estar fazendo seus pés-de-meia para se aposentarem cedo.

Unknown disse...

Moro a 5-10 minutos da TW e nunca tive vontade de aparecer ali. Mas é bacana ter opções, principalmente fora do eixo centro-paulista. Mas desse café aí eu nunca ouvi falar! Talvez um dia...

P.S.: A bicharada merece o preconceito que sofre, porque o usa contra si mesma sempre que pode (segregação).

Lourival Lima Jr disse...

Estava pensando sobre o mesmo assunto dia desses. E também estava comentando sobre o assunto da promoção da revista Junior, onde o ambiente das bunitas foi invadido pelo pessoal menos favorecido socialmente.
Então vamos lá.
As bunitas não gostam de ter seu território invadido. FATO! E merecem o preconceito? Talvez. Vale a pena lembrar que esse tipo de segregação não é exclusiva do mundo gay. Como posso exemplificar, quem frequenta o Fasano não gostaria de ver gente de "baixa renda" jantando por lá. Do mesmo modo, as bunitas não se sentem bem tendo seu território invadido pelo pessoal que costuma frequentar, digamos, a Blue no dia de Sábado. É como dizem, cada um no seu quadrado. É utopia achar que todos podem conviver no mesmo lugar, pois não dá certo. Divisão de classes, por mais preconceituoso que seja, é necessário (ou você frequentaria um pagodão na laje em um morro no Rio, por exemplo?).

Tenho notado também a mudança de costume de algumas pessoas. Preferindo um clube mais intimista do que um mega clube. Porém digo isso do pessoal mais das antigas, de tempos da Level ou do início da TW, que estão mais maduros e cansaram de toda essa odisséia de festas. Eu ainda não cansei da bagunça, mas se antes eu comparecia em todas as festas, hoje diminuí o ritmo para 2 ou 3 no máximo. Sinal da idade, provavelmente.

Entretanto, todo ano o público se renova. Um povo jovem (e descabeçado) aparece ainda abarrotando os mega-clubes por aí, querendo sempre mais e mais. São fúteis, sim. O quê importa é o corpo esculpido e a aparência de phina, porém o que me consola é que chega uma hora que a ficha cai. E, quando não cai, tornam-se uma variação dos tiozões sarados (ou não) e solteiros, eternos garotões que ainda precisam viver de aparência pois foi tudo que restou para eles.

Fico contente em ver que a cultura de corpo sarado/mente colocada em um mega clube está aos poucos sendo posta de lado, dado espaço para algo mais intimista. Acho que dá sim para se aproveitar um pouco dos dois mundos.

André Mans disse...

disse tudo, apesar q eu morro de preguiça da TW e só vou pra lá por um bom motivo ou um bom amigo... mas entre vodkas, cafés e megaclubes, realmente é quase um disparate sampa não ter um bar decente... eu sinto falta e muito... sabe como é? sou meio sapatão.

Alexandre Willer Melo disse...

de certo que a noite precisa de um leque amplo de opções mesmo porque, como você mesmo disse, nós mesmos nos 'guetificamos' e buscamos lugares onde nos sintamos bem, utópico achar que todos podem frequentar o mesmo espaço..
já fui de noites grandes, hoje, sou mais dos amigos em casa ou me lugares menores que permitam um papo

Anônimo disse...

Vai ter outra parada gay esse ano ou é a primeira do ano? Se é a primeira do ano,a outra parece que foi ontem. O tempo esta correndinho.
Bom, ja vi que sou praticamente a unic amulher que escreve aqui, tudo bem, voce me aceita nao é? Por que o blogtb nao é um gueto e nem voce disse isso. Estou justamente acompanhando o raciocinio do que voce disse e do que disseram nso comentarios.
Nao sei o que é uma bunita.
Mas entendo completamente que chega uma hora que ninguem mais quer saber de baladas delirantes. A gente nao quer so "diversao e arte", a gente tb quer intimidade, né nao? Acho que é por ai.
Beijos da Cam

beto disse...

Acho ótimo ter TW, CCV, Bailão, D-Edge, Bubu, Vermont, Blue Space etc etc em SP. Cada público acha a sua zona de conforto fixa ou se pode variar de tipo de diversão.
O que sempre acho que faz falta em SP é um Galeria Café, não vejo nenhum lugar aqui com aquele perfil.

Apesar de sua descrição da TW bater com a impressão inicial para muitos, estou mais de acordo com a visão do brasiliense aí em cima. Acho que lá é tão grande que acaba tendo vários sub-públicos ao mesmo tempo no lugar. Eu, que estou a anos-luz do quesito corpão, me divirto na TW a grande maioria das vezes que vou lá. Tudo questão de saber aonde se está pisando...

Eu uso uma classificação diferente. Tem lugar que as pessoas vão mais para dançar (com ou sem alterações químicas) e interagir relativamente pouco com outros (excluindo as escapadas clandestinas que o povo dá para o Jardim das Delícias...). Isso é a TW.

Outros lugares são mais para ver, ser vistos, bater papo com os amigos, e, o inevitável se tratando de SP, fazer muito carão. Isso é o CCV.

Tem os que ficam com um pé lá e outro cá. É o Freak Chic no D-edge. Se dança com os amigos na pista e se faz carão no bar.

E o óbvio é que a TW não durará muitos mais anos, nem o CCV manterá seu poder de atração para sempre. Quem fala do Secreto hoje em dia, por exemplo?

Wans disse...

Eu sinceramente acho um porre essa badalação toda em cima de Sonique e TW. Nunca tive vontade de ir e acrdito que não me sentiria bem se fôsse. Eu gosto mesmo é de sentar e tomar uma cerveja ali no largo do Arouche que pode não ser onde as "bunitas" vão, mas que o papo definitivamente é o biscoito fino da noite.

bj

Maven disse...

O Daniel disse tudo. A cena muda. A noite muda. Quem tá nessa faz tempo se cansa. Eu sou um que detesta ferveção, jogação. Jamais iria para a parada gay, não é minha praia. Eu sou gay, mas curto muito mais minha night num barzinho hetero com amigos, sem som alto no ouvido. Lugares gays, geralmente, são muito afetados e querem (ou será que PRECISAM) ter um ar de sofisticação. O lance é que, em se tratando de diversão, prefiro ficar numa mesinha com a galera, batendo papo, comendo uma porção de carne de onça, ou essas outras coisas gostosas e "povão" que os lugares gays não tem.
Acho que o que falta é isso, inventarem um lugar gay para clientes gays que sejam "normais", isso é, que são gente comum que não buscam nem ferveção, nem afetação, nem drinks cheios de frufru. Só buscam uma diversão simples, reunir-se com os amigos e pronto.
Pelo menos aqui em Curitiba é o que falta.

TONY GOES disse...

Vem aí um bar gay que, se der certo, pode preencher esta lacuna que você aponta no final do texto. Os donos são muitos e descolados, e o ponto é da hora.

Mais não posso dizer, mwahahaha

Paulo disse...

Bons tempos em que a rua da Consolação era o point com os seus barzinhos! Sinto falta deles...

E realmente, precisa ter muito saco e paciência para ir na TW hoje em dia! Só estando muuuuuito colocado para não ligar das filas em bar e banheiro ou pista lotada! Careta, não duro nem uma hora naquele lugar...

Pheena sem droga disse...

Ainda bem que moro no Rio!!!
TW SP = De profundis!

Unknown disse...

A roda gira. Thi, você sempre sensato, objetivo e lúcido. Obrigado mais uma vez.

Ricardo disse...

Tenho esse mesmo pensamento que vc. Só acho que vc não abordou um aspecto mto importante que "misteriosamente" ninguém aborda. Os preços na The Week são abusivos demais. Desde o estacionamento, até os 40 a 50 reais de entrada e até mesmo os preços do bar. Não sou mão de vaca, mas gastar mais que 120 reais em uma noite normal é meio abusivo, não acha? Ainda mais num lugar q metade não paga pra entrar. Muito mais legal é o esquema do Sonique, no qual você consome a entrada. Nem por isso o lugar atrai uma clientela pobre. Mto pelo contrário, até mais selecionada q a TW.

Andre Machado disse...

Bar como o TV Bar ou Galeria em
SP? Será? Vai ficar cheio, com segurança de terno na porta, hostess toda arrumada, cartão eletronico de consumaçao na porta, todos procurando os defeitos do lugar ao inves de se divertir (no caso, comparando com o Rio, bien sur). Ahhhh.... isso eu quero ver merrrrmo!!!!

Thiago Lasco disse...

André, olha o bairrismo hein! ;)

Andre Machado disse...

Cara sou ZERO TOTAL de bairrismo :-), mas na boa...

Mas to seguindo. To fora dessa de parada...

Valeu. Abraço

Baiano disse...

Meu deus...

Esse Tony Goes é tão pedante pessoalmente também?

Sei que é da mesma turma do Ailton, e do Duda, mas vamos combinar, o vipado lá é bem mais digestível do que o ego da cineasta.

Aliás, Botelho é um fofo, como você também deve ser.

Pronto falei (estou engasgado com os comentários egocêntricos da cineASTRA há meeeeeeeeses, que porre!).

Parabéns pelo post, Thiago.
Fui já dois anos pra Parada... mas não me vejo naquele esquema todo de novo, como dizem nós baianos, NEM A PAU.

Bjs