E a história do casal de sargentos que resolveu assumir sua homossexualidade para o Brasil continua rendendo. Depois que a revista Época com a "bombástica revelação" ganhou as bancas de todo o país, Laci Marinho de Araújo e Fernando Alcântara de Figueiredo foram fazer barulho no programa da Luciana Gimenez (sempre ela!). Resultado: o Exército cercou os estúdios da Rede TV! em Barueri e Laci saiu de lá preso.
Como era de se esperar, a reviravolta quase folhetinesca que a prisão de Laci representa no caso só serviu para jogar mais lenha na fogueira da opinião pública. Nas ruas e na internet, o bafão está na boca do povo. A ala homofóbica usou o tom habitual: isso é uma pouca-vergonha, uma safadeza, onde o Brasil vai parar desse jeito, Deus criou o homem e a mulher para procriarem e povoarem o mundo. Já para os simpatizantes e militantes de plantão, o episódio virou questão de honra: os sargentos estariam sendo perseguidos porque assumiram sua orientação sexual, numa condenável manifestação de preconceito. E tome defesas inflamadas do direito dos gays servirem às Forças Armadas, porque o mundo evoluiu, porque os gays têm os mesmos méritos e estão em todos os lugares e blá blá blá. Não é preciso ser nenhum gênio para concluir que é justamente isso que Laci e Fernando queriam ao abrir o berreiro na mídia: deixar que a sociedade deslocasse o foco da discussão para a questão do preconceito, criando uma cortina de fumaça rosa sobre o verdadeiro problema.
Segundo a nota oficial divulgada pelo Exército, Laci afastou-se do trabalho por seis meses, alegando problemas de saúde. Na sindicância aberta para apurar sua situação, ele teria deixado de apresentar laudos e se recusado a receber os médicos enviados para fazer uma perícia - o que significa dizer que os alegados problemas não foram comprovados. Laci foi então transferido de Brasília para Osasco, mas não compareceu ao novo posto. Sem uma justificativa concreta, seu afastamento foi considerado irregular, caracterizando o crime de deserção. Foi por esse delito que Laci foi preso.
Em sua defesa, Laci acusa o Exército de ter forjado provas para prendê-lo e diz que sofre de um "transtorno emocional grave". O militar afirma ainda que começou a ser perseguido quando descobriram que ele fazia shows como cover da cantora Cássia Eller, e que as coisas pioraram quando o casal fez denúncias de corrupção e irregularidades envolvendo o hospital militar onde Laci estava lotado. No programa de Luciana Gimenez, ele disse que temia ser vítima de "queima de arquivo".
Não tenho a menor pretensão de fazer pré-julgamentos ou especular se o rapaz está ou não falando a verdade. Quem tem que apurar a eventual culpa do sargento (e as denúncias que ele diz ter feito) são as instâncias competentes. O que me chamou a atenção foi que um grande número de pessoas "comprou" a inocência de Laci automaticamente, como se o simples fato de ele ser gay funcionasse como uma presunção de que ele é a vítima da história.
Por que ninguém questiona quais os motivos que o levaram a se assumir publicamente nesse momento, ainda mais num programa como o SuperPop? Ora, ele mesmo admitiu à revista Época que os dois vivem "como um casal normal", no mesmo apartamento funcional, há dez anos. Se isso já vem há tanto tempo, tudo indica que sua condição sempre foi de conhecimento de todos e nunca chegou a causar problemas para eles. A troco de quê Laci decide declarar sua situação ao mundo logo agora?
Ele pode estar sendo perseguido, sim - mas pode também ter inventado os tais problemas de saúde (por que outra razão se recusaria a ser examinado? se as doenças fossem comprovadas, ele poderia se aposentar sem perder seus rendimentos) e deixado de acatar a transferência para não se separar do marido. Nesse caso, armando um espetáculo acerca de sua sexualidade, ele tira os holofotes de cima do que deveria estar sendo examinado: se suas condutas infringiram ou não a lei militar. A revista Época agradece pelo furo de reportagem.
Não há dúvidas de que gays são capazes de atuar nas Forças Armadas com a mesma competência e bravura que os héteros. A própria matéria de Época lembra que homossexuais como Júlio César e Alexandre, O Grande, estiveram à frente de exércitos quase invencíveis. Mas não é essa a questão em jogo aqui. Como romântico incorrigível e entusiasta do amor entre iguais, torço para que Laci e Fernando não sejam separados pelas circunstâncias. Mas não se pode abrir mão da cautela e do bom senso para proteger os gays com simplificações grosseiras. Quem descumpre as normas deve sofrer as conseqüências dos seus atos, qualquer que seja sua sexualidade. Vamos deixar que as investigações apurem o caso - e parar de tratar Laci e Fernando como mártires, só porque são gays. Ser gay não torna ninguém um herói. Gays podem ser íntegros ou truqueiros - como todos os demais seres humanos.
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Cortina de fumaça rosa
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27 comentários:
Não tenho seguindo em pormenor o assunto aqui do outro lado, mas pelo que li, a sua análise mais uma vez me parexce excelente.
Parabéns
Thiago, concordo em número, gênero e grau contigo! O que mais ouvi nesses dias foi a versão favorável à eles, de que estariam sofrendo perseguição por serem gays. Não ouvi ninguém defendendo a versão do exército, de que ele realmente teria deserdado. Como sempre, a comunidade inteira se solidariza com eles, defendendo-os. Mas quem está certo nisso tudo?
Como você disse, gays podem ser íntegros ou truqueiros. Falta saber em qual dos dois eles se encaixam.
abraço!
Em tempos modernos, a sexualidade de ninguém deveria servir de escudo/desculpa/resposta para quaisquer ato inconseqüente feito por qualquer um.
São coisas distintas.
Caráter não tem sexo.
Se as pessoas entendem o fato de ele ser gay como presunção "iuris tantum" de inocência (ou de culpa, dependendo de quem for), eu, particularmente, entendo que o fato de sair na capa da Época e, pior, de ir à Lucianta Gimenez constitui presunção "iuris et de iure" de que ele é um imbecil e está querendo aparecer por algum motivo bizarro e sujo. :P
OBS: Toda vez que eu leio/ouço o nome Laci, vem à minha cabeça a Leci Brandão. Medo!
Será que eu consigo usar a mesma desculpa para não dar aula hoje e amanhã? De qualquer forma, seja ele íntegro ou truqueiro, a história serve para provar que as pessoas e/ou as instituições são, sim, possíveis berços de escrotices. No fundo, aposto que está todo mundo errado.
O que me chama atenção não é nem eles serem gays nem se estão certos ou errados, mas essa história de ser preso por ter faltado ao trabalho ou sumido do mapa. Se atitudes medievais e toscas assim dessem algum resultado, a Policia Militar não seria o lixo que é, tampouco as Forças Armadas seriam dessa inutilidade completa que se nota.
Sempre há duas verdades na história, né? Sei lá, não vou dar ibope pra essa história. Concordar com vc vai ser a unica opinião que vou expressar sobre isso.
Bjão!!
PARABÉNS PELO COMENTÁRIO INTELIGENTE. A MAIORIA DO QUE TENHO LIDO VITIMIZA INTEGRALMENTE O SARGENTO LACI. NÃO É BEM ASSIM, COMO VOCÊ MESMO QUESTIONOU.
Mais um post super lúcido, parabéns. E o fato é que essa história está mega mal contada... Haverá mesmo o tal escândalo de corrupção que Laci diz gter denunciado? Se for verdade, o buraco é mil vezes mais embaixo.
Agora, que ele está doidjo pra aparecer, isto está claríssimo. Ir na Luciana Gimenez assim, de mão beijada, quando a mulher é a maior vigarista e homófoba (sim, homófoba, sei de fonte segura), é muita ingenuidade. Aliás, nãse o me espantaria se soubermos que foi a própria produção do programa quem alertou o exérrcito sobre a presença das bibas... olha a mídia que essa vagabunda está tendo. Mulher que dá golpe da barriga não merece respeito. Vai perguntar pro Mick Jagger o que ele acha dela (tambeem sei de fonte segura, i.e. gente que entrevistou o Mick, que ele ODEIA a Lucianta).
... claro que foi a LuciANTA que denúciou que eles estavam lá...se alguém assistiu àquele triste programa notou que ela ficava a todo instante:
- vc sabe que pode ser preso agora né ?
- vc sabe que tem um quartel ( ou coisa que seja ) aqui ao lado ?
- Vc sabe que o Exército pode entrar aqui a qualquer momento né ?
tudo de caso pensado e programado, inclusive com o Exército, pelo Ibope.
Claro que essa história precisa ser colocada em pratos limpos, pois asseguro que tem podre dos dois lados.
Achei seu texto completamente coerente. O que me preocupa e que, de certo modo eu abordei no meu comentário, são revelações como a da matéria de hoje, na Folha de S. Paulo, em que a repórter Laura Capriglione conta os bastidores da prisão dos caras. "Vê só o estrago que fazem umas bichinhas infiltradas". Isso teria gritado um soldado que estava na porta do hospital para onde o sargento foi levado. Exército, como várias outras repartições públicas ou privadas, é um antro de panelinhas. É óbvio que a entrevista deles desafia as Forças Armadas. Do outro lado, essa entrevista é impregnada de interesses. Eles queriam barulho? Queriam garantir que ele fosse mantido em afastamento médico (com recebimento do soldo)? Querem tirar proveito da aparição? Pode ser tudo isso junto, ou não. Mas, é inegável que a prisão dos caras só aconteceu por causa da entrevista. Nenhum desertor de um mês é preso tão rapidamente assim. Ele alega doenças neurológicas. Se ele provar na Justiça, o Exército vai ter de se retratar oficialmente. Vamos ver no que vai dar....
Beijos de Londres
Dan
www.sembolso.blogspot.com
Eu vou enviar opçoes de títulos pra Brasileirinhas.
Ai, no servico publico tem tanta gente que da esse truque da licenca medica e na verdade quer e vagabundear... e nessa nos os gays, funcionarios publicos e serios, temos que trabalhar mais para provar que somos competentes. Em quase dez anos de servico publico nunca tirei uma licenca medica. Se esse transtorno emocional que ele alega e tao grave que ele nao consegue nem trabalhar, de repente devia estar interditado de vez.
Acho que esta história toda ainda vai feder...
O que me deixa intrigado é ele não dizer qual é a sua "doença". Já li síndrome de pânico, depressão, esquizofrenia.
Mas para fazer cover da Cássia Eller pelas noites de Brasília, Laci ia lindo, leve e solto.
Ok, Thi, belas palavras como sempre. Boa linha de pensamento. Mas qtos gays desertores vc conhece? Qtos destes se mostram gay ou não, ou aparecem em público na mesma escala? E qtos são presos em uma situação onde o cerco é formado por dezenas de homens, armas pesadas, algemas durante um vôo e empurrões...
Concordo e sou a favor que eles paguem pelo crime, da mesma maneira que gostaria que certas normas militares fossem revistas... fora que sendo o foco perdido ou não no assunto, o fato é que todo este escandalo serve para mexer um pouco com a opinião publica e levantar a poeira da caserna... só eu sei como é dificil a vida militar: velada, sem possibilidades por exemplo de dividir coisas publicamente, como afeto por ex. Sabe do que falo!
Se deserção é crime, que pague por isto. Mas tb nao posso deixar de achar que esta coisa de deserção deveria ser revista, assim como serviço militar obrigatorio e PRINCIPALMENTE a postura das FA com relação aos gays na caserna... e por ai vai!
Errados, perdidos ou nãda disto, o que os dois acabaram fazendo de fato foi trazer a luz o que todos sabemos de velho... eu sei muito bem, e vc sabe um pouco tb.
Fala Cara, concordo com vc...
Seu blog é muito bom....viciante...
Parabéns
Thiago, abstraia aquele comentário da casa de suco, viajei horrores.
Francamente eu acho que esses 2 tão fazendo isso só pra aparecer e ver se faturam algum. Quem duvida que não vão sair na G?
Poderiam muito bem seguir a vidinha deles na mesma rotina.
muito bom o seu ponto de vista, aliás adorei os seus textos e obrigado pela visita no meu blog. apareça!
acho que ele se arreependue de ter dado entrevista para revsita global...e ir na Luciana Gimenez?
tem algo errado!!!!!
Pois é, meu querido: não há herói a ser reverenciado, tampouco vilão a ser defenestrado. A coluna de Barbara Gancia, na FSP de hoje, mostra bem que a polêmica mais atrapalha que ajuda à causa. Afinal, as afirmações do sargento Laci na entrevista concedida à Época não primam pela correção e quem já tem um pé atrás com a temática GLS, ficou estarrecido. Mas, sou como você: torço pelo casal. A vida na caserna ficará talvez menos "glamourizada" sem o sargento, que parece estar se tornando expoente do "underground" da capital federal, mas se este for o caminho de consenso para evitar uma situação de separação em que um deles seria detido, talvez seja uma vitória. Noves fora nada, não consigo deixar de pensar no "prato cheio" que Gimenez recebeu em seu programa. Sem qualquer esforço, ela terá assunto para incontáveis debates vazios e tomadas de postura inócuas por semanas....
O pior foi eu perder o SuperPop neste dia ...... rs! (brincadeira!)
Concordo com sua linha de raciocínio, mas tb acho q independente do motivo q levou eles a falarem pro mundo só agora, hoje eles perderam totalmente o controle da situação (se eh q tiveram algum dia) e a coisa tomou uma proporção que eles não esperavam e não estavam preparados para lidar!
[]'s
capa da revista tá totalmente fetiche, inegável.
parabens, comentários muito lúcidos. dialética on!
falou tudo... eu tentei falar minah opiniao perto de uma ativista e ele quase me chamou pra porrada.
a gente ia quebrar o pau.
(hehe foi mals, é que eu comi de mais e to com dor de barriga)
A colunista Barbara Gancia, na Folha de 6/6/08, tratou do assunto sob um ponto de vista diferente - e hétero - mas que eu achei impecável. Reproduzo um trecho:
"Atualmente, o Congresso norte-americano estuda um novo ato, que admite, sem restrições, os homossexuais e ainda promete garantir plenamente os seus direitos. Já aqui na terrinha, como era de se esperar, a questão virou galhofa. A história da prisão por suposta deserção do sargento Laci Marinho de Araújo, gay assumido, enquanto gravava o programa "Superpop", fez mais gente rir do que se aprofundar na questão de se homossexuais devem ou não ter os mesmos direitos do restante da população.
Mas, vem cá: dava para ser diferente? Como é que a gente vai se compadecer com o sargento, que se diz perseguido por comandantes preconceituosos, quando o próprio, num arroubo de candura, afirma que "as Forças Armadas são um paraíso", pois não há, segundo ele, "coisa melhor para um homossexual do que tomar banho com um monte de homem pelado e sarado"?
Ora, não é justamente por conta desse tipo de pensamento que a presença dos homossexuais é malvista nas Forças Armadas?
Confesso que, ao tomar conhecimento da declaração do sargento Laci, a primeira coisa que me veio em mente foi a imagem do referido militar passeando pela caserna de pênis ereto. E olha que eu não sou nenhuma carola, não tenho nada contra o Village People, adoro a Cher e a Liza Minnelli, os musicais da Broadway e já aplaudi de pé muito número de transformista imitando a Bethânia.
O que eu quero dizer é que, em vez de elevar a discussão ao degrau que ela mereceria, a história do sargento Laci só serve como exemplo para aprofundar o preconceito e mostrar aos contribuintes, cujos impostos sustentam as Forças Armadas, que os homossexuais não têm temperamento adequado para servir.
Um pouco como a Parada Gay de São Paulo que, para muitos, virou sinônimo de dia em que o sexo está liberado para ser praticado no meio da rua (há inúmeros relatos de gente que vive no entorno das avenidas Paulista e Rebouças atestando que, neste ano, a farra passou dos limites), o drama do sargento Laci mais prejudica do que ajuda a causa pelos direitos dos homossexuais."
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