Depois do baixo astral do post anterior (que não foi exclusivo deste blog, a julgar pela ampla repercussão dos problemas da Parada, no mundo real e no virtual), eu pensei que poderia escrever algo com um tom mais alegre. Mas eis que fui surpreendido por notícias ainda mais tristes. Um dos vários homossexuais que foram atacados nas imediações da Parada Gay acaba de falecer, conforme divulgou a Santa Casa. Marcelo Campos Barros tinha 35 anos e sofreu traumatismo craniano após ser barbaramente linchado por um grupo de skinheads na rua Araújo.
O outro episódio felizmente não resultou em morte, mas foi ainda mais absurdo: não aconteceu na rua, mas dentro de uma casa noturna - onde, supostamente, todos nós estamos a salvo da barbárie e protegidos pela segurança do estabelecimento. Na madrugada desta segunda, Celso Neto, 44, estava no camarote da Cantho, no Largo do Arouche, quando foi cercado e espancado por outros cinco freqüentadores da boate. Levou cabeçadas no rosto, foi jogado no chão, chutado incontáveis vezes pelo corpo e na cabeça, perdeu quatro dentes e teve o nariz quebrado. Se os pontapés na cabeça tivessem sido mais sérios, ele provavelmente teria morrido ali mesmo, já que permaneceu no chão do clube por quarenta minutos sem receber qualquer tipo de assistência. Os agressores deixaram o recinto normalmente, sem que fossem incomodados. E a segurança da casa? Nada soube e nada viu. (E a casa não teve a pachorra de tirar dinheiro do bolso de Celso para quitar a comanda? Boicote neles!)
Os dois crimes aconteceram em circunstâncias diferentes, mas por motivos igualmente fúteis. Marcelo foi exterminado pelo simples fato de ser gay e andar na rua. Celso esbarrou sem querer em uma travesti, pediu desculpas a ela, mas isso não foi suficiente para evitar que fosse espancado pelos marginais que a acompanhavam. Tudo isso mostra o quanto estamos expostos à violência, mesmo dentro da redoma imaginária em que nos colocamos. Se, no segundo caso, existe um responsável fácil de identificar (o clube, que tem o dever de zelar pela integridade física dos clientes dentro de suas dependências), no primeiro a culpa se dilui: é o poder público que não dá conta de promover policiamento suficiente, são os grupos homofóbicos que semeiam o ódio e a intolerância, são os evangélicos que barram o PLC 122 no Congresso, é o "Brasil inteiro" que "está violento", e por aí vai. Estamos mesmo num mato sem cachorro. Só nos resta pedir ajuda ao anjo da guarda, ou talvez a São Sebastião.
Vale lembrar que há pelo menos outras três pessoas que permanecem internadas em estado grave depois de terem sido agredidas nas imediações da Parada. Mas o mais surreal de tudo foi ler, em um dos vários blogs que noticiaram essas desgraças, o comentário de um homem gay (!) que tentou minimizar a gravidade dos fatos, alegando que "estatisticamente, estes incidentes são insignificantes". Dá para acreditar numa coisa dessas? Não vou nem comentar.
Se, ao contrário do cavalheiro, você não acha que esses episódios são "insignificantes", mostre ao mundo sua opinião: apareça no protesto contra os ataques homofóbicos que a APOGLBT está organizando neste sábado (20/6), às 19h, na Praça da República. Não vivemos dizendo que a Parada perdeu o sentido político? Taí uma boa chance de tentar recuperá-lo.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Tempos bicudos
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23 comentários:
tem gente que tem uma cabecinha, tao fria, tao calculista... que triste, alexandre lucas!!
muito bom o texto , parabéns, to torcendo pra que esse muquifo feche logo...
Infelizmente só temos fatos tristes para contar....
lamentável..
13 homossexuais assassinados em Carapicuiba(SP). Só pra lembrar, ou pra não esquecer!
lamentável mesmo tudo isto ... não podemos deixar q estes fatos caiam no esquecimento ... não podemos mais tolerar tanta violência e tanta impunidade ... chega de barbárie ...
bjux
;-)
A vida como ela é, que a cada dia a fazemos mais sádica e trágica alimentada por todo o escremento e sangue.
Sabe uma coisa que me dói no ouvido? Dizer "uma" travesti. Sou antigo, a vida inteira falei "um" travesti. A palavra veio direto do francês, onde é do gênero masculino (se fosse do feminino, a grafia seria "travestie"). Mas acho que, por razões de correção política, a mídia gay adotou em peso a forma "a" travesti (a "grande" mídia não). Acho esquisito, pois travesti não é mulher. Tem pinto. Aí alguém vai dizer que "drag queen" também tem pinto, e a palavra é do gênero feminino. Mas vem do inglês, onde "queen" quer dizer "rainha", evidentemente feminino...
Só sei que quando acontece uma coisa dessas como o que rolou na Cantho, sinto vontade de revogar o status de "mulherrrrr" dessas porras de travesti. Esse aí do caso é "o" travesti, e o "marido" dele, que comandou a agressão ao Celso, é viado, embora provavelmente se ache hétero. Mas, acima de tudo, são bandidos e covardes.
Ah, e o detalhe mais sórdido de todos: o pessoal da Cantho tirou dinheiro do bolso do Celso, quando ele ainda estava desacordado, para pagar a comanda dele... Leva umas porradas e nem recebe cortesia da casa. Fechar esse lugar é pouco, tem que ser demolido e o chão salgado por quatro gerações.
Tony: É mesmo, eu tinha esquecido desse detalhe sórdido, que o Ailton tinha me contado! Vou complementar o texto.
Agora, sobre travestis, eu me inclino a fazer a referência no feminino, pensando na questão da identidade de gênero. Mas isso é algo pessoal, talvez eu não tivesse esse cuidado se não tivesse lido a respeito e mesmo feito entrevistas com personagens do universo trans...
Concordo com você sobre usar "a" travesti, pensando em identidade de gênero, Thi. O Tony parece estar certo sobre as origens do termo e tal, mas as palavras vão ganhando outros significados e acepções com o tempo. Além disso, não é apenas o que se tem no meio das pernas que define identidade de gênero.
Acho que você tratou a questão de uma forma bacana. Por conta desse episódio, tenho visto por aí o velho preconceito contra as travestis (aliás, tem se usado o termo "traveco", que considero bastante desrespeitoso nesse contexto, remetendo a jornaleco policial de quinta categoria).
Agora se justifica malhar as travestis por conta da barbaridade que essa e os sujeitos que estavam com ela fizeram. Se qualquer sordidez cometida por um gay justificasse detonar todos, imagina o que aconteceria...
Nada vai acontecer...
Pessoas foram espancadas dentro da TW em uma salinha e aconteceu algo?
Não, o clube bomba até hoje...
Fiquei chocado com as notícias que li pós-parada (na qual me diverti bastante dentro da expectativa realista de como ela seria e com as medidas preventivas que tomei).
Chocado com o espancamento e morte do rapaz na Rua Araújo.
lógico que tb fiquei com o caso da cantho, mas acho que não é relacionado com a Parada em si, briga/agressão em boate pode acontecer em qualquer época.
E ainda teve o tom altamente elitista ("gente feia e estranha") de muitas das críticas à parada (mas isso já foi muito falado)...
...e, para piorar, o desequilíbrio na atenção dada pela maioria dos blogs e leitores aos 2 casos.
Num o cara MORREU, mas como não faz parte do círculo/estrato social da maioria dos blogayros, me pareceu que nem gerou tanta atenção e comentários.
me lembrou muito o que se fala sobre a mídia internacional: Quantos indianos ou africanos tem que morrer para gerar a mesma manchete que a morte de um único americano ou europeu?
e o povo todo que escreveu inúmeros posts extasiados com a militância do Milk e que como era um exemplo a ser seguido? Já passou a inspiração? Taí um caso real, na nossa cidade, fica tudo só no blá-blá-blá da blogaysfera mesmo? Ou alguém vai baixar lá no Centro neste sábado à noite para marcar posição contra a morte do rapaz? Ou ao menos sugerir outra coisa para não deixar essa violência passar batido?
Boicotar a Cantho e Doritos é muito fácil, não precisa nem sair de casa...
Acho que tanto Tony quanto Thiago estão certos, no tratamento às travestis. Etmologicamente, parece-me correto, mas os termos mudam. E atualmente elas preferem o artigo feminino, é afirmação de identidade de fato. Curioso este ocorrido, que me fez lembrar: dois anos mais ou menos atrás, estive lá na Cantho com duas amigas trans - uma delas, jovem, estudante de moda, quase uma moça, longee do estereótipo - acompanhada do namorado, militar da Aeronáutica. Lá pelas tantas, um engraçadinho achou-se no direito de abordar minha amiga, quase agredindo seu namorado. Surpresa: os seguranças da casa ficaram do lado do atrevido! Tivemos que nos retirar para evitar uma agressão ou problemas maiores. Desnecessário dizer que lá não pus e não ponho mais os pés, por todos estes fatos.
Triste que ainda façamos parte de uma sociedade violenta e preconceituosa assim.
São covardes mesmo pq quando escolhem alguém pra humilhar e matar geralmente são negros e pessoas de baixa renda.
Ontem, parado num sinal, vi uma cena incrível. Aqui na Lapa (RJ) tem um lugar onde vive um grupo de sem teto, sempre bêbados, drogados, etc. Me chama a atenção ve-los vivendo ali mas ontem foi impressionante, eles ainda estavam dormindo quando passei e veio um outro grupo e estava roubando os trapos velhos deles, as bolsas imundas cheia de sei lá o que. Fiquei pasmo, por um lado vemos como, sob muitos aspectos, a vida melhorou pra muita gente mas povo de rua ser roubado por povo de rua, já não basta a polícia e o "playboisinhos". São dois mundos, o que a gente vive, e a completa barbárie em que vivem os excluidos.
Pois é, querido, aqui em Berlim vivem me perguntando se o Brasil não é perigoso e tal. No começo eu ficava meio chateado com a pergunta, achava meio estereótipo, e dizia que com 31 anos nunca tinha sido vítima de violência no Brasil. Mas com episódios como esse fica difícil falar alguma coisa melhor. Adoro meu país e voltarei feliz para aí em um mês, mas seria ótimo que ele tivesse menos problemas desse tipo. Abração!
Para quem, como eu, acha que falta política à Parada, essa é uma ótima oportunidade para mostrar a força de mobilização dos gays. Todos ao protesto!
Hoje, pela primeira vez na vida, eu peguei um táxi dirigido por uma mulher. Mulher e lésbica. Fomos o trajeto todo conversando sobre preconceito. Percebi que nenhuma luta, hoje, é o bastante. E infelizmente, enquanto estamos sem saber o que fazer, os homofóbicos sabem. E fazem direitinho!
comentário rápido sobre o que tony disse: a realidade linguistica impede que esteja errado falar a travesti. Não importa a origem, a gramática portuguesa não prevê regra e palavras 'importadas' mudam de gênero de acordo com seu uso. É como champanhe... (mas entendo o questionamento por trás e além da gramática)
sobre o post... concordo com tudo. meus irmãos há algum tempo foram a um bar e viram uma briga que tumultuou tudo... era o namorado ciumento achando que um cara estava dando em cima da namorada dele, parece. o ser humano regride a cada dia...
Sobre a cantho o que o povo vai fazer? Apenas protestar na Vieira e a noite lotar a casa? Pq ninguem fala em gongar a casa, bloquear o acesso das pessoas a noite, avisar os desavisados?
enqto nao mexermos nos bolsos de quem manda ou ganha, nao conseguiremos muitas coisas.
bjs do Lico
O povo eu não sei Fabiano, mas eu não ficarei quieto! Já me reuni com nossos advogados e entraremos com ação contra o clube. Não queremos saber quem foram os agressores, não nos interessa, queremos distância deste tipo de gente. O que vai adiantar identificá-los? Eles, no máximo, prestarão serviços à comunidade como pena e minha vida e do Celso fica nas mãos das "irmãs" travestis e dos delinquentes traficantes (não tenho dúvida de que seja esse o perfil dos agressores). Se o clube honrasse com suas responsabilidades comercias, o fato não teria ocorrido, os covardes só espancaram o Celso (FOI ESPANCAMENTO E NÃO BRIGA, ELE NÃO TEVE TEMPO DE NEM DE OLHAR PARA A CARA DOS MISERÁVEIS E NEM RECONHECÊ-LOS)porque o clube liberou os seguranças do camarote sem avisar os clientes disso e ainda mantiveram o espaço aberto (quem me disse isso foi o bombeiro, na frente do produtor da noite, Hugo Henrique). Se eles tivessem fechado o camarote, o Celso não teria permanecido lá, ele ficou praticamente a noite toda nesta área, exatamente com receio de sofrer atos de violência ou roubo pelos frequentadores, ele acreditava que estava seguro lá em cima, como eu também me sentia. Na noite do CRIME dividimos esse espaço com Chris Cox, Amannda, Peron, Jeff Valle, Felipe Lira, André Garça e outros amigos. O clube mistura seus convidados (fui convidado pelo Jeff para ir lá naquela noite minha programação era ir pro Gambiarra com amigos de Goiânia) com marginais em troca de 20 reias por pulseira vendida, pulseira essa que é comercializada até pelo pessoal da faxina do clube. Se não bastasse isso, ainda houve a absurda falta de atendimento médico e socorro. O Celso precisou gritar com o bombeiro, aos prantos, para alguém me ligar para ir buscá-lo, ele sabia que precisa ir pra um hospital...e o falso "bombeiro", falso, porque os verdadeiros são reconhencidos pelos seus atos de heroismo e não de carcereiros. Ele ficou com o Celso na "sala" dos gogo boys esperando um amigo nosso pagar a comanda dele para que pudessem sair do clube (Thiago, foi esse amigo que pego a comanda e o dinheiro no bolso do Celso e não o clube). Nesse meio tempo, os bandidos fizeram a mesma coisa e sairam do clube. Se esse bombeiro disser que não percebeu a gravidade do caso do Celso, esfrego na cara dele as fotos que fiz do rosto estourado e sangrando e sem dentes dele e ainda mostro as roupas sujas de sangue que eu não lavei e que vou usar no domingo na praça da republica. Apertei o FODA-SE!Não tenho paz desde domingo, não consigo entender o clube pode ser tão irresponsável e omisso. Eu vou boicotar mesmo, meus amigos estão enviando email para todos seus contatos relatando o caso e peço, para as pessoas do bem fazerem o mesmo. Se a Cantho quiser e puder permanecer aberta, vai atender e receber marginais, não mais gente do bem! Quem conhece o Celso entende o porque da minha revolta..ele hoje chora sem entender o pq isso aconteceu...
Quando eu sai do clube com o dj Daddy San, chamei o Celso para sair comigo, ele me disse: "Gaguinha, meu fds foi incrível, as cinco festas que eu fui foram maravilhosas e eu vou ficar mais um pouquinho, estou muito feliz"...Se depender de mim, isso não vai acontecer mais em lugar nenhum, servirá de exemplo da nossa força. Quem critica meus amigos por dar espaço a este assunto em blogs e sites não parou para pensar que se não agirmos assim, não nos sentiremos mais seguros nos nossos clubes - nós teremos medo das pistas, dos banheiros, dos camarotes! Não comparem esse fato com o caso Rogério Figueiredo, o Rogério sofreu sim, muito, é meu amigo e veio prestar solidaridade ao Celso hoje, mas ele não foi espancado e continua com todos os dentes na boca e com o nariz inteiro - duvido que a TW estaria aberta se tivesse acontecido isso com ele na época. Eu levarei este caso ao MP. Quero o fim desse Cantho dos infernos e de qualquer lugar que aja da forma que este clube agiu e se algo acontecer comigo não terá sido em vão...prefiro correr este risco do que deixar meu trabalho com a noite. Eu amo o que eu faço e se não for pra fazer isso...prefiro morrer...mas ainda acredito e continuarei a acreditar no ser humano..."pessoas valem mais que o sol e dinheiro" independente de raça, cor, credo e gênero.
Meu nome é Ricardo. Godo do meu nome e da minha identidade de gênero. Mas acho que as travestis, as lésbicas, o negro e a negra merecem serem chamados como eles querem ou se sentem bem. Acho muita arrogância alguém ficar definindo como o/a outro/a deve ser chamado. Isso se chama respeito. Isso, como uma resposta minha ao comentário de Tony Góes.
Quanto à Cantho, infelizmente a nossa luta, neste país, tem que ser constante e diária. Não é só no dia da Parada, tem muita coisa pra ser feita e combatida, muita revindicação e não temos que nos conformar nem aceitar nenhuma forma de homofobia, de péssimo atendimento ou de violência, nada que fira a dignidade humana.
Beijos,
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br
Sábado agora uma travesti empurrou meu amigo e veio me encher o saco também. Falei ao gerente da casa que nunca mais piso lá, já que eles vêem e não fazem nada. O jeito é parar de dar dinheiro pra essas pessoas. Nós, clientes, os sustentamos. Temos uma grande arma.
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