terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Depois da fila, a felicidade

Entre os diversos acontecimentos que estão fazendo deste 2010 um ano importantíssimo para mim, está o tão esperado fim do meu processo de transição do Direito para o Jornalismo. Durante todo este ano, em paralelo com o trabalho no escritório e as aulas na faculdade, estive envolvido com a elaboração de meu trabalho de conclusão de curso (TCC), um documentário sobre mulheres de presidiários, conforme adiantei aqui. Eu e meus colegas Marina, Paula e Filipe saímos de nossa zona de conforto e embarcamos numa aventura de descoberta de um mundo completamente diferente do nosso, em que pudemos conhecer histórias de vida surpreendentes e nos deparamos com a missão de contá-las em pouco mais de meia hora de imagens.

Vocês não imaginam o que essas mulheres têm que passar para poder ficar algumas horinhas semanais ao lado dos maridos. Como a revista deve ser rigorosa, o trâmite de entrada é bastante demorado; para conseguir desfrutar todo o horário da visita, elas são obrigadas a chegar à detenção na tarde da véspera e acampar na calçada, em condições precárias - as necessidades fisiológicas na madrugada são feitas no canteiro central da Marginal Tietê, em meio a ratos, baratas e o risco de atropelamento. Da cadeia para fora, mais dificuldades: solidão, renúncia, a vida afetiva em compasso de espera indefinida, a manutenção da casa, a educação dos filhos... Uma verdadeira provação, que elas abraçam por razões variadas: amor, carência, compaixão, dependência, resignação. Nossa proposta era enxergar o lado delas e tentar descobrir como é estar nessa pele.

Para isso, tivemos que lidar com nossos próprios preconceitos. Quem está de fora tende a reduzir a questão a uma simples escolha pessoal: estão ao lado de "bandidos" porque assim quiseram, portanto não merecem nenhuma consideração. Mas um exame mais cuidadoso vai revelando que entre o preto e o branco há vários tons de cinza. Na medida em que os maridos (em tese) se envolveram em um delito, todas são obrigadas a se posicionar. Algumas realmente desenvolvem uma certa condescendência com o crime (encaram como opção de vida e pronto), mas outras não chegam a apoiar a conduta do amado - e, mesmo assim, são obrigadas a suportar os reflexos disso em suas vidas, inclusive socialmente.

De fato, o estigma que recai sobre essas mulheres é enorme. Muitas escondem sua condição em seus círculos sociais e até dentro das próprias famílias, temendo o preconceito, a rejeição e mesmo a perda do emprego. Conseguir que algumas topassem participar do filme, expondo seus rostos para a câmera, exigiu de nossa equipe um trabalho de convencimento e conquista de confiança que durou meses, incontáveis noites de sexta na porta da cadeia, um trabalho de formiguinha mesmo. Não sem antes levarmos incontáveis "nãos" e outros tantos caôs - elas marcavam, nós nos programávamos, alugávamos equipamento, íamos até os cafundós em trens de subúrbio... e levávamos um cano. Quantos domingos desperdiçados...

Cientes de que estávamos lidando com tamanho tabu, ao escrevermos o roteiro, nós optamos por não entregar de cara essa condição de nossas personagens. O próprio título do documentário é neutro: nossas Mulheres da Fila poderiam estar madrugando na porta de um estádio, esperando para comprar ingressos, por exemplo. Elas são apresentadas sem esse dado para que os espectadores as conheçam e possam criar uma empatia antes de julgá-las. Lá pelo sexto minuto do filme, passamos a encaixar passagens que vão revelando quem elas são e o que as une ali. E vamos construindo um panorama com essas histórias, tentando manter um olhar humano, sensível, lembrando sempre que nosso objeto são as vidas delas, e não os atos dos maridos.

Foi um ano de muitos desafios: o equipamento que tivemos que aprender a manusear na marra, nossa timidez na abordagem inicial, a resistência delas, os canos, as discussões e negociações internas em torno do roteiro, os prazos, a nossa vida paralela que não parou por causa disso e teve que ser conciliada... Não foi fácil, mas geramos nosso filhote e o botamos no mundo. Mulheres da Fila foi avaliado pela banca examinadora hoje à noite. E levou um sonoro dez, com direito a muitos elogios que nos deixaram contentes e orgulhosos. Chegar ao fim de um caminho sofrido e desfrutar desse reconhecimento foi uma grande alegria, que eu peço licença para registrar e dividir com vocês, meus amigos que me acompanham. Não vejo essa vitória como algo de que deva me gabar, mas como um estímulo de que estou no caminho certo e tenho mais é que me jogar mesmo! Mais um passo dado pelo Thiago jornalista!

30 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns!!! Queremos ver o vídeo!!! Link já!! Sucesso!!!

Anônimo disse...

Você é um cara talentoso e extremamente sensato. Deve ter feito um trabalho belíssimo e merecedor dos aplausos que conquistou. Como podemos assisti-lo? Inscreva-o nos festivais.

Diógenes disse...

Ai, e o público fica assim? Na vontade? :)

Daniel Cassus disse...

Parabéns! TCC é sempre uma batalha. É bom saber que entre mortos e feridos, salvaram-se todos e com louvor! E quando esse vídeo estará disponível para nós vermos?

Anônimo disse...

Parabéns Thiago. Acredito muito no seu talento e vc sabe disso. Fico muito feliz e orgulhoso. mas faço das msgs dos outros a minha tb, cadê o link?

Bjs

Marcelo

TONY GOES disse...

Porra, almoçamos juntos ontem e você nem me contou que seu TCC seria apresentado à noite?

Parabéns pelo sonoro 10. Agora vocês têm que disponibilizar o filme no YouTube e aqui no blog, pois ficamos todos curiosos.

bjks

Thiago Lasco disse...

Pessoal, eu adoraria poder colocar o vídeo no YouTube e o link aqui. Nossos professores até sugeriram que nós nos inscrevêssemos em festivais com ele. Mas não vai dar. A condição que todas as nossas personagens impuseram foi que o vídeo não se tornasse público, ou seja, não fosse exibido fora da faculdade. Elas confiaram em nós e temos que respeitá-las. A gente não imagina a barra que elas levam, escondendo isso de todo mundo... se a coisa sai de controle e elas são reconhecidas por quem não deveria, podem perder os empregos e muito mais. E nós podemos ser processados. Sinto muito... o máximo que posso fazer é organizar uma sessão private para aqueles que se interessarem! Obrigadão a todos pelo carinho!

Rafael disse...

Parabéns Thiago, tanto pelo sucesso na apresentação do trabalho de vocês quanto pelo tema escolhido.

Ah, e fico maravilhado em saber que algumas pessoas conseguem fazer a transição e sair do direito. Quem sabe eu um dia? Rs

Jhonne disse...

Parabéns Thiago!
Me sinto muito honrado em acompanhar dos seus primeiros passos rumo a uma carreira certamente promissora.

O sucesso é certo!

beijos!

Paulo Ronison Amorim disse...

Qq trabalho vindo de vc, não me supreeende de ser sempre incrível, como já disse várias vezes, vc será uma grande jornalista de sucesso, é só uma questão de tempo! Parabéns!

Titia disse...

Parabéns...mas na§o tinha duvida a respeito (= seu talento)

Rafa disse...

Parabéns pelo trabalho, pela coragem de mudar de área, eu vivo isto tb, mas pra mim ainda faltam 2 anos!

Abç

Cris Morais Carneiro disse...

Eu que vi (morram todos de inveja)posso atestar a qualidade inconteste, a sensibilidade da abordagem, a elegância da trilha sonora que fugiu do óbvio. Vc nasceu jornalista e tornou-se advogado, mas essa foi apenas uma passagem, um período em que vc se conheceu melhor, pesou valores e optou por ser feliz! E isso sim exige coragem!!!

Shaffer disse...

Oi Thiago.
Eu queria ver o vídeo. Se organizar mesmo a sessão me avisa.
Abração e parabéns.

DANA & CESAR disse...

Amigo, PARABÉNS do fundo do coração! Estamos orgulhosos do nosso amigo jornalista!

Abraços, Dana e César

Discípulo disse...

O trabalho ficou brilhante!
Um mega beijo, jornalista Thiago!

Alexandre Willer Melo disse...

tempo que não venho aqui e dou de cara com esse post supimpa!!
parabéns mesmo e, se puder, quero estar na sessão fechada, deve ter sido maravilhoso esse trabalho.

Camila disse...

Thiago, fico feliz, mas não surpresa com a nota 10...
Brilhe muito!

Anônimo disse...

Parabéns!
ficamos todos muito contente, pode acreditar!

Thiago Lasco disse...

Pessoal, quem quiser ver o filme, por favor me mande um e-mail (thiago78@gmail.com). Vou organizar uma sessão pros amigos!

S.A.M disse...

Bem, se lhe exigiram isso, nada mais ético do que faze-lo.
Sabe que se jogas algo na internet, NUNCA MAIS terá controle sobre sua exibição. rs

Parabens!
Superbeijo

Lobo disse...

Ver uma situação de perto sempre abre a nossa mente.

Senti algo parecido quando entrei na escola pública a primeira vez para estagiar. É tudo tão parecido com aquilo que a gente ouve falar e assiste, mas é tudo se torna tão cabível e compreensível, que fica muitíssimo difícil julgar.

Parabéns pela nota! TCC é uma dor de cabeça infinita, feliz por você ter matado esse dragão :p

Um beijo!

K. disse...

Como membro de banca de TCC recente (uma experiência muito legal), aprendi a valorizar o esforço pessoal dos alunos e ver o sangue que eles dão para esses trabalhos... entones, parabéns! =D

Isadora disse...

parabéns, Thi! quero ver o resultado! sei que foi fruto de grande esforço e envolvimento.
beijo!

Ricardo Aguieiras disse...

Thiago,
eu, que já o admirava muito, tive multiplicada por mil essa admiração e estou emocionado com seu post de hoje. Por que você mexeu com um lado dolorido e cheio de nuances da vida e do viver, coisa que muitos negam. Dráuzio Varela não cansa de repetir e falar sobre o fenômeno das mulheres que nunca abandonam seus filhos e maridos encarcerados, mas denuncia que o contrário não ocorre: quando é a mulher a ser presa, os maridos e filhos costumam abandoná-las, tragicamente. Esse é um outro lado que também merece um filme, um dia... acho que tem tudo a ver com o machismo e com o patriarcalismo...
Eu, há alguns anos já, escrevi um longo artigo sobre gays encarcerados e até visitei junto com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, na época, o Carandirú, quando ainda estava de pé...foi uma experiência que não esqueci nunca, talvez o dia mais triste da minha vida: a maioria dos gays e travestis presos não tinham mais dentes na boca e viviam em pavilhões isolados dos demais, alegavam que era para "proteger", um quadro de horror. Depois, ficamos sabendo que gays condenados pelo nosso Sistema Penal são tratados, e creio que ainda hoje, como doentes mentais e mandados para casas de custódia, da onde raramente saem para a Liberdade.
Que algum dia alguém jogue luz sobre isso, também, como você fez com essas magnificas mulheres lutadoras...
Obrigado,
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br

Ricardo Aguieiras disse...

Volto para pedir um grande favor a você, Thiago e a@s seus leitores e leitoras, por favor:
- O Conselho Regional de Santa Catarina está publicando em seu site uma enquete sobre quem é contra ou a favor da PL 122/2006, que criminaliza a homofobia. E estamos perdendo feio para quem é contra.
Por favor, entrem no link abaixo e votem no "SIM":
http://www.crpsc.org.br
(lado esquerdo da página, em "enquete")
A situação está insuportável, com tanta homofobia. Hoje, os jornais de Sampa estão todos noticiando mais um ataque na região da Paulista, um skinhead surrou com soco inglês dois homossexuais, mais um... ou demonstramos de forma dura o nosso descontentamento e posicionamento perante esse horror, ou irá continuar. Não há dia em que não vejo/sofro homofobia nas ruas.
Vamos reagir.
Thiago, obrigado se puder publicar este.
Ricardo

Anônimo disse...

Thiago, quero muito ver o seu filme, me interessa bastante esse assunto. Quando voce for passar em algum lugar, me avise por favor.
Bjos,
Cam

Gilberto Scofield Jr disse...

Arrasou. parabéns, amigo. Acompanhei o seu calvário e seu como foi sofrido. E que quero ver, sim. bjs

Anônimo disse...

Oi Thiago,

Parabéns pelo trabalho!!
Fiquei comovido e feliz por você!
Pode marcar meu nome na lista da sessão de cinema.
Beijo,

José Henrique

Anônimo disse...

Como estudante do 2º ano de Jornalismo, confesso que estive pensando em ter como tema de TCC a situação enfrentada pelos familiares de presos.

Espero poder assistir ao seu documentário.

Parabéns pela iniciativa e coragem.

Jéssica