Mas afinal, qual a receita da beleza de San Francisco? Pense em uma cidade à beira de uma baía, emoldurada por duas pontes icônicas, com relevo todinho acidentado e arquitetura dominada por casinhas vitorianas fofas, como as da foto acima. A cada esquina, uma ladeira revela novos ângulos, e a baía reaparece ao fundo. Uma geografia deslumbrante. Para apreciar o cenário, é fundamental subir em um dos cable cars (bondinhos) que são o símbolo da cidade, e operam 3 linhas que atravessam Downtown. Nas extremidades dos trajetos há fila, mas você pode embarcar e desembarcar em vários pontos durante o percurso. Outras vistas memoráveis, você tem do alto de Twin Peaks, da Coit Tower e de Marin Headlands - uma espécie de mirante que fica do outro lado da Golden Gate Bridge, já fora da cidade. Falando nessa ponte, que é o principal cartão-postal de San Francisco, uma boa sugestão é alugar uma bicicleta no Fisherman's Wharf e cruzá-la pedalando, num lindo passeio que termina em Sausalito, a cidadezinha charmosa do outro lado da Baía. Muitos também usam a ponte como cenário para um suicídio em grande estilo - uma morte odara! O bairro hippie é Haight-Ashbury, mas o clima paz-e-amor reina em todo lugar: em San Francisco tudo é orgânico, ecológico, reciclado, sustentável, decafeinado, biodegradável, não-poluente, democrata, enfim, baixos teores. Nesse contexto, o carro-sensação da cidade só poderia ser o Toyota Prius: feio como um mango-sucking dog (cão chupando manga, em inglês), mas totalmente híbrido, sendo que o rodar com energia elétrica é macio e silencioso, como uma gueixa servil. A cidade tem um conjunto bem interessante de museus, com destaque para o SFMoMa (de arte moderna, pouco menor que o irmão de Nova York), o Asian Art Museum, o De Young Museum e a California Academy of Sciences, sendo que os dois últimos estão instalados dentro do Golden Gate Park. Esse belo parque, que só perde em tamanho para o Central Park de NY, tem várias atrações que valem a visita, como os Japanese Tea Gardens, perfeitos para um chá no meio da tarde, e o Conservatório das Flores, onde a exposição Wicked Plants ("plantas do mal"; até 30/10) incluiu até mesmo a pavorosa Euphorbia milli, nossa popular coroa-de-cristo. Há também várias praças e parques menores espalhados pela cidade - o Dolores Park é o preferido das bees para curtir um solzinho no domingo à tarde, esparramadas na grama, quando o tempo ajuda. Na região da Union Square ficam todas as compras que importam, das grandes lojas de departamento às melhores grifes, incluindo um prático shopping center, o Westfield, que tem lojas-âncora como Nordstrom e Bloomingdale's. Aliás, essa é a melhor região da cidade para você se hospedar, não só pela fartura de compras, mas também pela proximidade do posto de informação turística, pelo farto transporte e pelo fácil acesso ao Fisherman's Wharf e ao Castro. Os são-franciscanos torcem o nariz e ignoram o Fisherman's Wharf, área do porto tomada por lojas de souvenirs e restaurantes de frutos do mar, frequentados basicamente por turistas. O Pier 39, um deque de madeira que enfileira bares temáticos como o Hard Rock Cafe, resume bem o espírito do lugar. Mas ali também há alguns tesouros. Um deles é o Scoma's, restaurante escondidinho atrás do Pier 43, que serve frutos do mar fresquíssimos desde 1965. E eles não brincam em serviço. Peça Dungeness crabcakes de entrada e prossiga com os raviólis de lagosta ou caranguejo - você ainda vai me agradecer por isso. Outro é a flagship store da Boudin, padaria que é uma instituição local, com pé-direito altíssimo, café, bistrô, um empório que vende livros e utensílios de cozinha e até um museu. Aos sábados, um programa imperdível para quem gosta de comer bem é ir até o Ferry Building Marketplace, na outra extremidade do porto, em direção à Bay Bridge. Do lado de fora, o Farmer's Market tem várias barraquinhas que vendem de bagels de salmão defumado a pratos mexicanos. Dentro do prédio, difícil é escolher entre os quitutes vendidos a peso pela San Francisco Fish Company (não perca o salpicão de caranguejo), os pães finos da Acme Bread, os frios italianos da Boccalone, os laticínios da Cowgirl Creameries, a cozinha asiática descomplicada do Delica e os doces da Miette (gente, o que foi aquela panna cotta?). Alguns bairros têm núcleos gastronômicos bem específicos: North Beach é o epicentro da imigração italiana, Mission é a meca dos burritos e comidinhas latinas, e Chinatown é o lugar para comer dim sum, noodles e afins. Outros são mais ecléticos. Em Pacific Heights, perto do cruzamento da Fillmore com a California, o latino-contemporâneo Fresca rendeu o melhor jantar da viagem; do outro lado da rua, a pâtisserie Citizen Cake tem sete sabores de petit gâteau, entre outras delícias. Na região de Downtown/Union Square, faça uma pausa das compras e almoce no ótimo italiano Kuleto's, ou perca-se entre as mais de trinta versões de cheesecake da bombada Cheesecake Factory, no oitavo andar da Macy's. No buxixo gay do Castro, dicas certeiras são o contemporâneo 2223, os peixes do Catch, o café e os hambúrgueres do simpático Cafe Flore (meeting point das bibas a qualquer hora), a comfort food do Home (que funciona até meia-noite, uma raridade) e os deliciosos crepes e massas do Squat and Gobble (vá no domingo de manhã, pegue uma mesa externa e assista de camarote ao vaivém da homarada). Aliás, no Castro, os endereços que interessam, tanto de dia quanto à noite, estão concentrados em duas áreas: no trecho da Market entre as ruas Castro e Noe, e em torno da esquina da Castro com a 18th (é só pensar no cruzamento como um sinal de "mais"). Isso sim é globalização: você sai na noite, conhece caras de países como Laos, e descobre que eles têm muito mais em comum conosco do que você imagina (e não estou falando da camisetinha óbvia da Abercrombie). São bem esporádicas as festas para dançar (como a Fresh, que acontece mensalmente no Ruby Skye, clube hétero eletrônico que tem um quê de bufê de casamento). A balada mais comum são bares, alguns com telão exibindo videoclipes pop, caso do Badlands, o mais fervido do pedaço. Tanto é que a música do momento na noite de San Francisco é "On The Floor", a releitura genial (NOT) de Jennifer Lopez para "Chorando Se Foi", do Kaoma. (Mas o som que marcou a minha viagem foi "S&M", da Rihanna, remixado pelo craque Dave Aude). Se, como eu, você prefere música eletrônica de verdade, confira a programação dos clubes Ruby Skye, Mezzanine e Mighty no site Resident Advisor - eu tive a sorte de dançar com o top Steve Lawler, no Ruby Skye. "Mítico" e "lendário" são algumas das palavras que já foram usadas para descrever o Endup, afterhours histórico que reunia todas as tribos, em maratonas eletrônicas que avançavam pelas manhãs de sábado. Mas a molecada de 20 anos que hoje faz fila na porta não me apeteceu nadinha. Os endereços mais sexuais da cidade estão no SoMa (região ao SOuth da rua MArket): a Mr. S, megastore leather e verdadeiro templo do consumo para quem tem qualquer tipo de fetiche de A a Z, o bar Powerhouse e o sex club Blowbuddies. Mas o melhor basfond, você encontra mesmo é na Steamworks, supersauna que fica na cidade vizinha de Berkeley (dá para ir com o trem BART) e é uma espécie de "269 do futuro". San Francisco foi o paraíso da liberação sexual, das experimentações, das dorgas... e o saldo disso é que hoje em dia só tem gente DOIDA na rua. Nunca vi tanta gente desvairada, surtada, falando sozinha, gargalhando, com tiques nervosos, dos mendigos até a classe média. Chega a ser hilário. O lado menos engraçado é que a taxa de contaminação pelo vírus HIV entre a comunidade homossexual está na proporção de 1 para 4, uma das mais altas do país. O que talvez ajude a explicar por que San Francisco teve tanta gente living on the edge, se jogando como se não houvesse amanhã, é o fato de que a própria cidade vive sob a constante ameaça de um grande terremoto, que pode simplesmente destruir tudo. Se a cidade não tiver sumido do mapa (ou, pior, sido reconstruída em estilo neoclássico paulistano!), estou até pensando em pedir para jogarem um quarto das minhas cinzas do alto de Twin Peaks (os outros três quartos já têm destino certo desde sempre: Ibirapuera, Arpoador e Plaza San Martín). Eu amo San Francisco.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Bits and pieces from North America's prettiest town
Postado por Thiago Lasco às 9:15 AM
Marcadores: estados unidos, rapidinhas, turismo
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7 comentários:
"(...) sendo que o rodar com energia elétrica é macio e silencioso, como uma gueixa servil." Só você mesmo pra fazer uma comparação dessas, Thi! Adoro! ;-)
Aliás, congrats pelos últimos textos no blog. Estão super leves, desenvoltos, bem amarrados...
Beijos, Doug.
Texto ótimo de ler!
Gostei muito de ler, adoro suas dicas de viagem e o jeito engraçado de voce^ retratar as cidades que voce visita.
Eu sempre achei carro elétrico uma coisa tão.... gay! Mas esse parece ser o futuro.
San Francisco é a verdadeira cidade à beira da eternidade.
Saudades de São Francisco!! Lugar lindo! Lembro do frio (muito vento), da comida e principalmente da arquitetura. Tinha 16 anos também! Nunca esquecerei de entrar nela escutando If you're goin' to San Francisco... Obrigado pela nostalgia bjoss
Eu ia comentar sobre a metáfora com a gueixa servil, mas já fizeram isso.. ;)
Mas ao ler esse texto, fiquei com uma dúvida quente: vc fez isso TUDO, foi nesses lugares todos? UAU!
E não vai ter um post falando tudo q vc comprou e aonde? Renovou o estoque de cuecas?
Outras dúvidas....já q vc citou o HIV...há por todo lado camisinhas e gel disponíveis de graça nos lugares gays?
Ah, e os gays sãos mais atirados/descarados como a gente aqui no Brasil ? Ou são frios como os nova-iorquinos?
E tem área quente de pegação hardcore, como o Central Park tem?
Vamos por partes, Diegón:
1) Fiquei 10 dias em SF justamente para poder aproveitar ao máximo. Inclusive sacrifiquei um pouco NY por causa disso. Não fui a TODOS os lugares, mas a boa parte deles, sim!
2) Post falando das compras não vai ter, essas coisas não se ostenta em público, parece coisa de novo-rico ;) Mas se vc quiser, te conto em private das minhas compras. Renovei o estoque de cuecas e meias, a ponto de a gaveta mal fechar! rs
3) Gel não, mas há camisinhas EVERYWHERE, em GRANDE quantidade, junto com um material de educação e orientação BACANÉRRIMO, hiper bem feito, sem pudores, que contempla do arroz-feijão às práticas mais ousadas. É de aplaudir de pé.
4) Acho que essa frieza na abordagem afetiva/sexual é típica do americano como um todo. O que eu acho que diferencia NY de SF é mais a questão da simpatia no atendimento na Califórnia, versus um certo carão de NY.
5) Olha, se tem área de pegação, sinceramente não sei te dizer. Os americanos são muito estritos em relação ao cumprimento da lei, não me animei nadinha a me expor desnecessariamente a uma grande encrenca por causa de um prazer passageiro. Se no Brasil já acho TEMÇO, imagina nos EUA, onde as pessoas podem ser presas até por jogarem papel de bala no chão (no que estão certíssimos, aliás!).
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