Muitos só pensam em Salvador como destino de Carnaval: um lugar para se colocar um abadá, encher a cara de cerveja e sair beijando loucamente, sob o sol a pino, por cinco dias seguidos. Mas os encantos da cidade vão muito além da folia do circuito Barra-Ondina - e quem vem nessa época acaba não conhecendo Salvador, mas apenas o Carnaval de Salvador. A capital baiana tem história, cultura, gastronomia, praias e um povo bonito, simpático e de altíssimo astral. Se quem procura a beleza das praias tem opções melhores (Jericoacoara, Porto de Galinhas, Maceió e mesmo outros trechos do litoral baiano), para quem não vive sem um pouco de vida urbana poucas cidades do Nordeste são tão completas quanto Salvador. Aqui vai um resumo do que eu andei gostando e desgostando nas minhas três visitas...
UAU:
1) A CENA GASTRONÔMICA DO CONTORNO. Quando o arquiteto David Bastos transformou o primeiro galpão abandonado em restaurante, não podia imaginar que estava dando o pontapé inicial na formação de um corredor gastronômico concorridíssimo. Hoje, a Av. do Contorno concentra um punhado de restaurantes incríveis, com construções arrojadas que usam e abusam da vista espetacular da Baía de Todos os Santos. O Trapiche Adelaide, pioneiro, ainda é considerado um dos melhores da cidade; no excelente japonês Soho, campeão de badalação, o piso transparente da varanda deixa ver as águas verdes lá embaixo; e os mais recentes Amado e Lafayette caíram rápido nas graças dos baianos com seus pratos contemporâneos - os do Lafayette levam a assinatura de Carla Pernambuco (Carlota/SP). Com boa comida e visual deslumbrante, é difícil não adorar comer no Contorno.
2) O CONVENTO DO CARMO. Em um investimento pra lá de ousado, um grupo hoteleiro português restaurou um convento carmelita do século 16, transformando-o no primeiro hotel de luxo histórico do Brasil. O resultado: um palácio suntuoso, faraônico, cheio de obras de arte e com direito a uma charmosa piscina redonda bem no meio do pátio central. Hospedar-se lá é para o bico de muito poucos, mas uma visitinha rápida à área comum do hotel é um programa indispensável quando você estiver batendo perna no Pelourinho.
3) O BAR DA PONTA. Se em Ibiza tem o Café Del Mar, Salvador tem o Bar da Ponta, que é muito mais cool. Moderno, estiloso e inteiro envidraçado, ele avança como um píer sobre a Baía de Todos os Santos - e você assiste de camarote ao pôr-do-sol enquanto come beliscos deliciosos como a porção de nirá com lula e o mix de bruschettas, com Bebel Gilberto sussurrando nos seus ouvidos. Também dá pra jantar (já que o menu também tem pratos e o bar abre das 17h30 à meia-noite), mas o bacana é ir no fim da tarde. O Spot e o 00 dariam o mundo para ter o visual embasbacante do Bar da Ponta.
4) AS TARDES NO PORTO DA BARRA. A melhor praia da zona central de Salvador cabe dentro de um quarteirão. Mas esse pequeno trecho de areia, emoldurado por dois fortes, é especial. Primeiro, porque é uma delícia mergulhar em suas águas mornas, calminhas e limpas - melhor do que isso, só voltando para o útero materno. Segundo, porque durante a semana é ali que se forma a babel humana mais absurda e divertida (e o canto direito da praia é maciçamente gay). E terceiro, porque no fim do dia o sol se põe dentro do mar, sempre que o céu está limpo.
5) AS MIL MANEIRAS DE VER O PÔR-DO-SOL. Toda cidade tem um bom lugar para se apreciar o pôr-do-sol: o Rio tem a Pedra do Arpoador, Porto Alegre tem o Guaíba, Curitiba tem o Parque Barigüí, Olinda tem o Alto da Sé... Agora, poucas cidades possuem TANTOS lugares incríveis para se ver esse espetáculo da natureza como Salvador. Você pode assistir aos belos sunsets soteropolitanos da muralha do Farol da Barra, da praia do Porto da Barra, do píer do Solar do Unhão, do alto do Parque do MAM, do terraço do Elevador Lacerda, de uma das mesas do Bar da Ponta, do mirante da Ponta do Humaitá, sentado em uma pedra em Itapuã... são diversas as possibilidades, uma mais linda do que a outra.
6) OS BAIANOS. Se a Bahia hoje ocupa posição de destaque no mercado turístico brasileiro, muito disso se deve ao enorme carisma de seus habitantes. Os baianos têm uma luz própria que nenhum outro povo do Brasil possui. Donos de um sorriso generoso e uma alegria de viver sincera, são sociáveis sem serem invasivos, simpáticos sem forçar a barra e craques em deixar o visitante extremamente à vontade. Para completar, são muito bonitos e donos de uma sensualidade natural, espontânea e nada vulgar. Resista se puder!
UÓ:
1) SALVADOR NO INVERNO. Quer viajar nas férias de inverno? Vá para o Ceará, único Estado brasileiro que faz jus à imagem de "sol o ano inteiro" que as operadoras turísticas tentam vender para todo o Nordeste. O tempo em Salvador nessa época é perigosamente imprevisível - não pense em chuvinhas chatas, mas em verdadeiras tempestades, daquelas que te prendem embaixo da cama enquanto a casa está inteira batendo. Para completar, muitos lugares aproveitam para fazer reformas para o verão - enquanto escrevo estas linhas, estão fechados o Trapiche Adelaide (restaurante top da cidade), a Off Club (a principal boate gay) e até o Aeroclube (centro de diversões a céu aberto no estilo dos open malls da Barra da Tijuca).
2) O ASSÉDIO AO TURISTA. Não tem jeito: assim que der os primeiros passos no Centro Histórico, você será abordado por um incansável exército de pedintes e vendedores (se você tiver a pele clarinha, como eu, será devorado vivo). Os pedintes vão querer a sua esmola, a sua bebida ou o seu lanche; os vendedores tentarão a todo custo te empurrar lembrancinhas, amuletos e, claro, as famosas fitinhas coloridas do Senhor do Bonfim, que você amarra no pulso ou na canela, fazendo três pedidos. O pior é que as tais fitinhas não são mais feitas de algodão e sim de náilon - ou seja, elas NUNCA se desfazem (e com isso seus pedidos nunca se realizam). A minha, laranja, é de fevereiro de 2005...
3) O COMPLETO ABANDONO DO PARQUE DO MAM. O Museu de Arte Moderna da Bahia fica num dos mais bonitos pontos turísticos de Salvador, o Solar do Unhão. E o parque do museu, com sua vista incrível da Baía de Todos os Santos, tem um dos mais agradáveis fins de tarde da cidade, que termina com um lindo pôr-do-sol. Um lugar assim não pode ficar abandonado da maneira como está. As pastilhas coloridas dos bancos caíram (ou foram arrancadas), deixando buracos horrorosos; e a passarela que margeia a água, com várias tábuas de madeira podres e as grades de arame arrebentadas, foi interditada. É um absurdo que o descaso dos responsáveis tenha estragado um passeio tão bonito. Em janeiro o parque já estava nesse estado, e nada foi feito até hoje.
4) AS PRAIAS URBANAS. Se o seu negócio é sair do hotel, andar duas quadras, cruzar a avenida da orla e estar na praia, pode continuar indo pro Rio de Janeiro mesmo. O perímetro urbano de Salvador é recortado por várias praias, mas todas elas são feias, sem graça e pouco freqüentadas (com exceção do Porto da Barra). As praias legais mesmo ficam afastadas do centro, a quase uma hora de carro (ou mais, com o trânsito do fim-de-semana). Stella Maris e Flamengo/Aleluia têm areia boa, mar aberto e bastante agito em torno de suas barracas bem estruturadas, com todas as comodidades que você merece (a do Loro, na Aleluia, é a melhor para os héteros e a do Gaúcho, em Stella Maris, para os gays).
5) A FALTA DE OPÇÕES DA NOITE GAY/MODERNA. Não se trata nem de comparar com SP ou RJ, mas sim de considerar que Salvador tem 3 milhões de habitantes e um grande fluxo de turistas. Tudo girava em torno da Off Club; com o fechamento da boate para reforma, os gays ficaram sem chão. Se não tiver nenhuma festa rolando, o jeito é fazer o esquenta no bar Babalotim e depois se jogar no Boomerangue, um "bar dançante" de programação eclética, que faz algumas noites mixed. Ou então arriscar o circuito cafuçu, com o inferninho Tropical no sábado e o pagodão Originalis no domingo. Com tanta gente bonita e festeira, a cidade merecia muito mais do que isso.
6) O SERVIÇO. Clichês como o do "paulistano estressado" e o do "carioca malandro" podem até ter algum fundamento, mas devem ser vistos com ressalvas - senão, você se prende à generalização e deixa de conhecer um povo como ele é de verdade. No caso dos baianos, a lerdeza deles já virou folclore, mas você vai senti-la na pele quando estiver sentado num bar ou restaurante, esperando ser servido. Tudo chega com uma demora injustificável - o cardápio, as bebidas, os pratos, a conta. O baiano já aprendeu a ser amável com o turista, mas ainda está a anos-luz de qualquer noção de eficiência. Portanto, não se estresse (você está de férias, lembra?) e não programe nada com horários apertados - as chances de seu esquema original furar são enormes.
[Foto: artesanato típico à venda nas lojas do Pelourinho]
terça-feira, 31 de julho de 2007
O sobe-e-desce de Salvador
Postado por Thiago Lasco às 10:17 PM
Marcadores: nordeste, salvador, sobe-e-desce, turismo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
16 comentários:
Oi meu bom! Até que enfim saiu esse post... Bateu uma baianidade, foi? E eu ameacei discordar de muita coisa, mas na verdade concordo com tudo. Só tenho um pitaco a acrescentar: graças ao horrível assédio dos ambulantes no Pelourinho, consegui fitinhas do Bonfim numa cor inédita - preto! Parece Bonfim by Prada. Combina com tudo! Só que agora, além de serem de material sintético, elas estão mais curtas - ou seja, não são mais a medida dos braços abertos do Senhor do Bonfim, hélàs.
Como sempre, as dicas gastronomicas bombam por aqui.
Com esse tempinho do Rio, to com uma mega vontade de Nordeste. Pena que nao terei ferias tao cedo. aff!
Eu juro que não consigo gostar da Bahia. Já tentei, mas não deu.
A prestação de serviços não é grosseira (como no Rio), nem robótica e gerúndica (como em SP), nem tampouco simpática-chatinha (como em BH). Não existe prestação de serviços na Bahia!
As padarias não têm pão (?!?!) e os ambulantes não te vendem água quando ela está na parte mais funda do isopor (juro!). Só filmando.
Ah, sim, e o assédio aos turistas é algo insuportável. Nunca vi nada parecido. Talvez, seja pior no Malauí(?).
Ir a Salvador só mesmo se for para dar um beijo na Gal, rs.
Salvador eu passo...
Salvador é pura energia. Salvador é carnaval e felicidade. Durante o ano parece que esse brilho fica meio escondido, adormecido na vida do baiano. Não existe coisa igual.
Conheço grandes capitais brasileiras, mas em todas elas, na terceira semana eu quis voltar para a Baía de Todos os Santos. Não tem igual.
Aqui, é preciso aproveitar e ver o lado positivo, até mesmo do atendimento chulo em alguns bares e restaurantes... para quê pressa? Não vivemos em São Paulo, aqui a gente se cumprimenta! São poucos os paulistanos (sem ofensas a nenhum deles!! Mas senti falta disso quando estive em Sampa) que se dão o prazer de um "bom dia" no metrô!!
Thi, adorei seu comentário! Concordo com tudo que vc disse, exatamente tudo!
Salvador pede que a gente "se permita", sempre!!
Beijão!
E BH tem a praça do Papa pra ver o por do sol!! hehe ow vem pra BH ver o por do sol q vc vai se amarra de mais!! e tem a rua do amendoim que é inclinada, mas se vc deixar o carro no ponto morto ao inves de descer ele sobe!! de verdade memso, juro!!
Ah, adorei o ítem uó 6 : O Serviço. Já senti isso na pele...
otimo post
juro q vou salvar e recaptular antes de uma proxima visita a salvador...
deu uma mega vontade de conhecer o spot soteropolitano
adorei o post.. muito bem escrito e interessante.. não conheço a Bahia ainda, mas levarei em conta suas observações qdo for...
beijao
Hmmmm...agora sim!
Liga nao, to taaaao lerdo. Tem que explicar com calma.
Esse tal de rascunho ha seculos pra ficar pronto deve ser influencia baiana, menino.
Admirável é sua disposição de compartilhar impressões úteis com tamanha precisão e detalhe. Abs.
Thi,
Bom post!Vc sempre politicamente correto.
Mas um "sorriso generoso" soh funciona p/ propaganda de creme dental. Prefiro eficiencia, conforto e a certeza de que a noite nao precisarei me jogar em bares ecleticos.
Fico com a Leleca: Salvador eu passo...
Suppress
FXXXX
Moro na Bahia e discordei de algumas coisas no começo, mas compreendo que turista tem um ponto de vista diferente de quem vive aqui. A parte UÓ até concordo (tirando que o Aeroclube está fechado pra reforma pro verão - ele está em reforma pq estava falido mesmo e já era antro de prostitção e tráfico de drogas).
Há muitos outras coisas que a Bahia oferece mais que não faz parte do circuito turístico, e toda vez que passo por lugares ou eventos desse tipo só lamento pelos que ficaram presos aos lugares da "propaganda" baiana.
Mas deixo uma dicas pra quem ainda se aventura a vir aqui: O bairro do Rio Vermelho é a cara da Bahia (acarajé da Dinha, mais cerveja, mais pôr-do-sol ou noite, mais boa companhia é perfeito), o bairro do Santo Antônio mistura aquela coisa popular com casinhas da época colonial (e é perto do Pelourinho). Estando no Pelourinho na terça-feira nunca perca a Terça da Benção com Gerônimo cantando e todo aquele público que vai da elite à figura mais pobre. Tem o pôr-do-sol no Passeio Público... sobre a cena gay não entendo muito, já que não apareço muito por esses lugares, mas sei que tem o Beco dos Artistas além da Off-club.
Acho que me emploguei...
xD~
abraços [comentando aqui pela 1° vez]
afffee.... bahianos...
se acha que eu vou passar?...;-))
Nem foi por causa das suas impressões que eu gostei do post (concordo com umas, discordo de outras), e sim porque você teve a sensibilidade de expôr os lados positivos e negativos da cidade. Já fui a Salvador umas duas vezes, mas anotei algumas das suas sugestões para a próxima viagem.
Voce tem uma visao bem realista e sem cliches de Salvador. E da otimas dicas. Adorei a historia da fitinha do Bonfim ser de naylon agora. Minha filha tem uma no tornozelo ha dois anos, nao sabia por que tanto tempo...
Bjos
Postar um comentário