O assunto da hora em algumas das rodas que eu freqüento é o fim da exigência de diploma para exercício da profissão de jornalista no Brasil, por conta de uma decisão proferida anteontem pelo Supremo Tribunal Federal, em Brasília. No Twitter, não se fala em outra coisa. Mesmo fora dessas rodas, vários amigos meus vieram me abordar no MSN, pra saber se eu estava muito puto (afinal, estou pagando meu curso, a duras penas, por quase três anos) e se eu iria largar a faculdade, já que "agora não precisa mais ter diploma mesmo".
Eu nunca achei que o curso de jornalismo fosse indispensável. Também não é o caso de dizer que "ele não serve para nada", o que seria um despautério, mas tenho plena consciência do motivo pelo qual fiz o curso: furar o cerco do protecionismo instalado no mercado, e conseguir meu lugar ao sol. Foi para isso que já gastei o valor de um carro novo (e continuo andando de ônibus). Não nasci sabendo: é óbvio que eu não poderia entrar em qualquer redação e sair arrasando, sem que me ensinassem nada. Existem, sim, conceitos, práticas e jargões do universo jornalístico com os quais pessoas de fora não são familiarizadas, e que precisam ser aprendidos. Mas imagino que, na prática, em seis meses de trabalho, eu já teria assimilado uma boa parte deles.
Verdade seja dita, a formação em jornalismo não é exatamente das mais sólidas. É um curso que, em três anos e meio (descontando a preparação do TCC), precisa aliar o tal arcabouço teórico e prático "de jornalismo mesmo" com uma formação humanística mínima. E o que dá tempo de ver é mínimo: borrifadas de cultura geral, respingos de antropologia e sociologia, pílulas de economia e política, e por aí vai. O resultado é uma formação bem mais superficial do que a de quem cursou, por exemplo, Direito ou Ciências Sociais. No fundo, o que o profissional vai saber mesmo é dos assuntos sobre os quais ele terá que escrever no veículo em que estiver trabalhando (ops, esqueci que emprego fixo é uma noção do século passado, foi mal aê). É na hora de colocar a mão na massa que ele vai passar a manjar de carros, investimentos ou, sei lá, plantas ornamentais. As lacunas, ele suprirá conforme a necessidade, lendo livros ou fazendo cursos pontuais e dirigidos. Afinal, a busca por informação, formação e atualização deve ser constante - como em qualquer outra profissão.
O que faz um bom jornalista, definitivamente, não é o curso de jornalismo. São os jornais, livros e revistas que ele leu, os filmes e peças de teatro que ele viu, as viagens que ele fez, as pessoas que ele conheceu. É a bagagem de vida que ele acumulou e a cultura geral que ele absorveu - por conta própria, desde cedo, não apenas a vinculada ao curso universitário. É esse estofo de conhecimentos, referências e informações que permitirá a ele entender o mundo em que vive, o lugar que ocupa nele e, de quebra, escrever para os outros com propriedade. Isso e, é claro, o dom da boa escrita - uma habilidade que algumas pessoas sem diploma possuem, enquanto outras diplomadas em jornalismo simplesmente não têm.
Isso não quer dizer, como eu já ressalvei no segundo parágrafo, que o curso de jornalismo seja de uma completa inutilidade. A formação básica é pobre? Sim, mas ela é apenas a porta de entrada para que cada um, seguindo seus interesses e curiosidades, escolha em que seara irá se aprofundar. Faculdade nenhuma é suficiente. Mas, acima disso, o que considero fundamental no curso é a oportunidade de reflexão. De pensar o jornalismo de forma crítica, de ver o que existe por trás da notícia, de descobrir as implicações e limites éticos da profissão - de aprender, enfim, que a atividade profissional do jornalista é imbuída de uma grande responsabilidade social e tem conseqüências. E trazer isso consigo em todas as escolhas pessoais futuras. Quem tem facilidade para escrever, tem um blog e tal, pode produzir textos redondos e até preencher algumas vagas com competência, mas não terá vivido, refletido e crescido com essas discussões, que acontecem dentro da faculdade.
No frigir dos ovos, não sei se o fim da obrigatoriedade do diploma vai mudar tanta coisa assim. O mercado de jornalismo está saturado, paga mal e não absorve toda a oferta (tanto que essa é uma das profissões mais largadas pelas pessoas, que precisam se virar fazendo outras coisas). Veículos que já empregam pessoas sem diploma terão mais tranqüilidade, ao saber que não precisarão mais escondê-las da fiscalização. Mas os peixes grandes da história - Abril, Folha, Estadão, Globo - provavelmente vão continuar usando esse filtro, entre outros tantos de que eles precisam lançar mão para escolher entre milhares de candidatos. Diploma pode não ser requisito, mas ainda servirá como diferencial, porque ele permite supor que você teve um mínimo de preparação (embora você precise provar, do mesmo jeito, que sabe escrever, é bem informado etc.). E outra: sem diploma, você dá a eles um pretexto a mais para oferecerem salários ainda mais baixos. Por essas e outras, vou desembolsar o valor de mais um carro, e resistir ao impulso de me atirar da ponte mais próxima.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Diploma... que diferença?
Postado por Thiago Lasco às 5:07 PM
Marcadores: brasil, jornalismo
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12 comentários:
Thiago,
Sou jornalista formado e tenho diploma. Concordo que realmente não é o diploma que faz o profissional.
Conheço vários que se formaram, e que são péssimos jornalistas.
Mesmo assim, sou a favor da regulamentação da profissão e do diploma.
Quando busca uma informação segura, a quem a sociedade recorre? A qualquer site, a qualquer blog, a qualquer impresso, a qualquer um? Não. Todos querem ter certeza de estar recebendo uma informação confiável, apurada com base em critérios técnicos e postura ética.
Acredito que para sobreviver num mercado tão competitivo, os próprios empresários da comunicação terão de levar isso em conta. E aí, na hora da contratação, o diploma vai pesar.
Só para complementar, vale lembrar que a situação decretada ontem pelo STF é conjuntural.
Ou seja, pode mudar, caso o Congresso Nacional aprove nova regulamentação profissional para jornalistas.
Eu e meus colegas estamos nos mobilizando nesse sentido.
Grande abraço!
Thiago
Eu concordo com o seu post, mas sou mais favorável à regulamentação, não como reserva de mercado. O que dizer do Direito ou da Medicina? Dá para exercê-los sem uma formação adequada e sem a existência de um conselho isento?
O problema está muito mais abaixo: enquanto são discutidos rótulos como o liberar geral versus a reserva de mercado, perde-se a chance de justamente se atacar a moralização do setor, seja em sua conduta, seja nas relações trabalhistas implicadas, seja na maneira como o "negócio" comunicação é conduzido no país.
Uma coisa que ninguém até agora explicou é como será tratado daqui pra frente o critério para alguém ser aceito como jornalista ou não, já que com a queda do diploma, acredito que tenha ido pro brejo o MTB inclusive. Deste momento em diante, o que "qualifica" ou "caracteriza" a alcunha de "jornalista"?
Abraço!
Meus caros, eu quesiono a necessidade do diploma para um bom jornalista... mas não a necessidade de regulamentação da profissão!
Bem escrito, como sempre. Algo de quem tem a alma do jornalista. Não se jogue de nenhuma ponte, por favor... vai virar matéria de jornal escrita por, quem sabe, um mau jornalista. E você é tão lindo... que desperdício! :-)
Queridão... muito obrigado pelos elogios no blog... vc sempre arrasa, se voltar a Curitiba por favor be my guest... grande abraço
Thiago,
Como sou idoso... risos... tenho o direito de ser anarquista, venho de uma época onde se questionava tudo e mais um pouco, incluindo aí diplomas e canudos. Faculdades podem, sim, ensinar muita coisa. Mas talento e interesse individual é outro papo. Por isso que há médicos e Médicos e há jornalistas e Jornalistas. Também acho errado a comparação que fazem aqui nos comentários, entre a profissão de um médico e a de um jornalista, mas isso é um papo mais longo e podem me acusar de preconceito. Mas, no meu preconceito, acho mais fácil - e sério! - um médico me matar ou me salvar do que um jornalista, fisicamente falando...
Enfim, deixo para os/as jornalistas resolverem isso.
Beijos anarquistas e envelhecentes,
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br
Voce escreveu o melhor texto que vi sobre o fim da obrigatoriedade do diploma. Investi meu dinheiro, principalmente meu tempo, na minha formação academica. O fato do STF derrubar essa "obrigatoriedade" não tira o valor do meu, não tira a importancia do meu esforço para conseguir me formar.
Parabens pelo post!
Concordo contigo. Sou jornalista formado pela PUC-SP mas trabalho como Trader em Comércio Exterior (que como o curso de Administração também não exige diploma) e não por isso estes cursos deixaram de existir. Acho que um curso de Medicina ou até Direito deve exigir o Diploma por sua especialidade mas para outros cursos esta exigência pode não ser tão necessária.
Só para constar: a "Folha" sempre foi contra a obrigatoriedade do diploma, e sempre fez questão de contratar gente que não tinha feito faculdade de jornalismo. Zeca camargo é um exemplo: formado em Propaganda e Administração, chegou a editor da "Ilustrada".
Parabéns pela lucidez do texto, mesmo sendo parte interessada.
Assim como você, a medida não me abalou. Em inúmeros países o diploma também não é um requisito, o que importa é a formação do indivíduo.
Há publicações que se sustentam nas 'autoridades' em determinados assuntos e que não são jornalistas, como a revista Cult. Já é uma prática recorrente no mercado, nenhuma novidade na parada.
É, você é uma pessoa bem lúcida. Você reconhece jornalistas são mal pagos (em SP isso é gritante) e o mercado está mais do que saturado.
No mais, ainda tem jornalistas que caem no papo de enganação dos patrões quando eles propagam a ideia do jornalista multimídia: que escreve para o impresso, para o site, faz o vídeo, tira a foto etc, etc. Isso se chama exploração de mão de obra. E ainda tem estudante de jornalista que cai nessa.
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