domingo, 18 de maio de 2008

Cris, Geni e o Zepelim

Quando abriu seu primeiro blog, Uomini, Cris escolheu um caminho diferente da maioria de seus colegas. Longe de querer ser espirituoso, descolado ou formador de opiniões, o rapaz expunha, sem rodeios, suas andanças pelos points de libertinagem da cidade. Suas experiências eram relatadas de forma bem livre e desinibida, às vezes acompanhadas de pequenos registros fotográficos. Cris arrebanhou uma legião de leitores fiéis, depois cansou, parou de escrever e, recentemente, reativou seu endereço. Nesses tempos de contagem regressiva para a Parada, onde blogueiros e iniciados dão suas dicas de São Paulo para o mundo, Cris também quis dar sua contribuição: abriu um segundo blog, dedicado exclusivamente aos endereços de pegação na cidade.

Esse novo blog é um verdadeiro mergulho no submundo do sexo em São Paulo. O roteiro vai muito além dos endereços freqüentados pelas ditas "finas e bonitas dos Jardins", como a sauna 269 e o bar Station: vasculha os antros mais humildes do Centro da cidade, onde jovens michês se oferecem nas imediações da Praça da República e homens rústicos e travestis perambulam pelos corredores ermos dos cinemas pornôs. Como não poderia deixar de ser, Cris faz comentários sobre cada lugar com a franqueza habitual, pouco se preocupando com o que vão pensar dele.

Se no primeiro blog, que misturava sexo a outros assuntos mais amenos (arte, arquitetura, vida urbana), Cris já dividia opiniões, nesse novo endereço as reações do público têm sido ainda maiores. Em apenas três dias, Cris recebeu mais de 2000 visitas - sem ter feito qualquer outra forma de divulgação, além de um singelo post no primeiro blog (que continua ativo). Quando o picante roteiro virou notícia no site gay A Capa, a audiência deu um salto - e, com ela, os comentários dos leitores.

A maioria deles aplaudiu Cris. “Genial a idéia”, “valeu a iniciativa, dicas iradas”, “parabéns, o guia é muito interessante, autêntico e pessoal”, “você é uma das pessoas mais originais das quais eu já li um blog”, “discurso popular, sem mentiras e sem iludir o turista”, “com certeza levarei uma cópia desses points”, “é a lista que todo mundo queria ter, mas tinha vergonha de dizer”, “que ótimo, estou cansado dos guias oficiais, em geral muito mentirosos, já quebrei a cara várias vezes”, “ você descobriu o mapa da mina, esta é uma das melhores idéias do mundo gay”, “o seu serviço é de utilidade pública!”, e por aí vai.

Por outro lado, algumas reações contrárias surpreendem pela sua virulência. “Agora você mostrou direitinho o papel do gay na sociedade. Eu sou gay e tenho vergonha por gente dessa laia igual à sua, um bando de pervertido que só sabem e pensam com o pau e a bunda. Depois vocês ficam todos revoltados porque não conseguem lei pra defender os gays, e nunca irão conseguir! Um pouco de caráter não faz mal a ninguém, e muito menos de valorização”, esbravejou um leitor. “Você é do mal! Eu teria vergonha de dizer que esses lugares existem”, disse outro. “Que nojo! Vocês são todos mesmo nojentos, só buscam sexo. Cada dia que passo, tenho mais repulsa a isso. É lamentável!", exclamou mais um. “Essa bicha ainda será 'secretina' do turismo das bibas pobres de Sampa”, ironizou outro, enquanto o sangue azul corria em suas veias. E uma pérola com sabor fascista: “Só tem lugar freqüentado por bichinha podre aqui. Mas é melhor que elas fiquem todas nos seus lugares! Então essa iniciativa foi perfeita: cada um fica na sua”.

Esse festival de recalque e preconceitos me lembrou a música "Geni e o Zepelim", de Chico Buarque, que fez parte da peça Ópera do Malandro. A letra conta a história de Geni, uma prostituta que "dá para qualquer um" e, por isso, é desprezada pelos supostos cidadãos de bem. Um belo dia, um militar poderoso surge num zepelim e ameaça bombardear a cidade, mas cai de amores por Geni e promete poupar o lugar se ela dormir com ele. Geni reluta, mas a população implora e ela atende. O poderoso se esbalda nas suas carnes a noite inteira e parte ao amanhecer, salvando a cidade da destruição; quando Geni, crente que agora tinha o respeito de todos, se prepara para dormir, começa a gritaria: "Joga pedra na Geni!".

Não bastasse serem discriminados pelo resto da sociedade, os gays ainda segregam-se uns aos outros, desenhando um cenário de preconceitos e julgamentos em que existem bichas superiores e inferiores. No nosso mundinho, quem tem coragem de destoar de padrões impostos e assumir seus desejos sem hipocrisia se candidata a ser apedrejado, como a próxima Geni da história.

12 comentários:

Unknown disse...

Realmente, espaço tem para todo mundo, mas nem todo mundo entende que o espaço é para qualquer um.

Anyway... Ronaldo Fenômeno agradece o guia.

:P

Paulo disse...

Todo mundo teve o seu lado Geni alguma vez na vida, mas poucos assumem isso... Já aprontei horrores também, rodei por todos os buracos dessa cidade, provei de tudo que tinha direito, realizei todas as taras e fetiches, e sabe de uma coisa? Não me arrependo de absolutamente nada, faria tudo de novo!

E claro que rola o preconceito, seria uma utopia se não rolasse... Quantos já não desceram o pau falando naqueles mais efeminados ou em travestis, por exemplo? Eu já fiz isso incontáveis vezes, confesso (infelizmente...).

Anônimo disse...

Arrasou na análise! O guia do Cris é original, vanguardista e corajoso. Fico passado como tem gay conservador e reaça no Brasil.

CARIOCA VIRTUAL disse...

a comparação foi super adequada, Thi. E o Cris soube levantar a poeira: todo mundo faz, mas ninguém confessa.

Discípulo disse...

Querido Thi: Fiquei muito orgulhoso de ler um post com tanta poesia sobre o blog! O que dizer? A verdade: THI, EU TE AMO! E me considero alguém especial por desfrutar da sua amizade. E se for o caso: que venham as pedras (e o que mais desejarem)! Quanto a mim: "Non, je ne regrette rien". Bjus (Cris)

Anônimo disse...

Gente, ser gay ultimamente tá me dando uma preguiça!!! Vai quem quer, come quem quer, dá quem quer...
Nojo de ser enquadrado em categorias! Pessoas são diferentes, gays ou não! zzzzzzzzzzzzzzz

Anônimo disse...

Se me permite uma pequena análise, mas esse frisson q ele causa contando aventuras já aconteceu antes,quando a mania de blog começou em 2002, por um carioca que fez "fama" assinando como gaylife, rapaz que hoje mora em sp e pode ser visto sempre nas festas de barbies no circuito Rio-SP. Logico que cada temporada tem seus idolos pop, e o da vez deve ser uomini. O que me intriga é que, ainda que haja e deva haver espaço pra toda e qualquer manifestação, seja autobiográfica ou artística, o que acaba interessando mais sempre são as coisas relacionadas a sexo, ainda mais as que revelam coisas que ou alguns fazem ou alguns adorariam fazer e se masturbam e são felizes lendo. O que eu não vejo, ou vejo pouco e passando despercebido, são os gays tbm se interessando por algo mais que o "babado" que o amigo tem pra contar. Mas nao vejo isso como ruim, apenas um fato no meio de um mar de fatos. Não sou amargo nem faço críticas bobocas a respeito de algo que eu pessoalmente adoro: sexo, pornografia e literatura. Abraço, Thomas

Gustavo Miranda disse...

Thiago.... vc pode me passar seu email? tive uma idéia e queria sua opinião. Tá?
Abs, Gus

Xandecarioca disse...

Olha, eu achei o guia dele tão brilhantemente bem conduzido, que os hate-comments só fazem complementá-lo ainda mais. Adorei o guia, mas ri muito mais com os comentários. Essas bichas republicanas são muito caricatas, diria se estivesse nos Esteites... hahahahahá... Bjssssssssss.

Too-Tsie disse...

vai ver que sexo para as virulentas é só depois do casamento e só na posição de papai-e-papai.

putaria é bom e o povo gosta, o Cris fez o favor de mapear. favor sim, pq muita gente com medo de "estragar" seu point, prefere guardar pra si.

Jackson Morais disse...

A cada texto que você publica eu noto a qualidade da sua escrita e fico muito feliz em constatar que inteligência e opinião formada não passam por tendências, é um estilo. No seu caso, esse é marcante e pessoal. Obrigado por compartilhar.
;-)

Iury Cézar disse...

você realmente relatou o que realmente acontece. Agora, poucos de nós, temos consciencia disso.