terça-feira, 31 de março de 2009

O sobe-e-desce de Brasília

Minha vivência em Brasília foi bem mais breve do que em outras cidades para as quais escrevi um sobe-e-desce no blog, como Recife, Buenos Aires, Salvador e Florianópolis. Como sempre, tentei aproveitar meu tempo da melhor maneira possível: fiz uma pesquisinha básica antes de viajar e um monte de perguntas para as pessoas que conheci depois. Ainda assim, foram menos de 48 horas, e sei que algumas impressões podem mudar nas minhas visitas seguintes. O que fica registrado aqui é apenas o resultado desse primeiro contato, que foi bastante fugaz.

UAU:

WASHINGTON TUPINIQUIM. É muito legal fazer o chamado "turismo cívico" uma vez na vida e ver de perto os prédios de onde se governa o nosso imenso país, alinhados na Esplanada dos Ministérios. De repente, aquilo que parece distante e inatingível na TV se torna real e palpável. Ao contrário do que muitos imaginam, o astro-rei do pedaço não é o prédio ocupado pelo Presidente da República (o Palácio do Planalto tem a mesma arquitetura caixotesca de vários outros edifícios, e a tal rampa presidencial é pequena e sem glamour), mas a sede do Poder Legislativo: o Congresso Nacional, aquela construção com uma cúpula para cima (Câmara) e outra para baixo (Senado). Para quem tiver tempo e interesse, visitas guiadas mostram o interior da casa.

UMA CIDADE FOTOGÊNICA. Brasília é um destino interessante para quem curte fazer safáris fotográficos. Amantes de arquitetura (estou descobrindo que esse assunto me interessa mais do que eu imaginava) e turistas em geral se encantam com as construções modernistas desenhadas por Oscar Niemeyer - minha preferida é a Catedral Metropolitana. Durante os meses de estiagem, o céu da cidade ganha dramáticos tons de vermelho, laranja e rosa no fim do dia - é comum encontrar cartões postais retratando a capital nessa época. Eu, que não resisto a um bom pôr-do-sol, espero poder presenciar esse espetáculo algum dia.

QUALIDADE DE VIDA. O projeto urbanístico de Lúcio Costa criou uma cidade ampla e arejada, com prédios limitados a apenas seis andares de altura. Como resultado, sobram céu e horizonte, tudo o que falta em São Paulo. O trânsito flui bem, sem congestionamentos, e os motoristas parecem ter sido educados num colégio interno suíço: não passam de 60km/h, não usam a buzina e param para o pedestre atravessar (talvez por ser raro encontrar pedestres por lá). Não há pedintes: a lógica do Plano Piloto varre a miséria para baixo do tapete, confinando os pobres nas cidades-satélite vizinhas. Com isso, muita gente de fora acaba gostando de não encontrar os problemas típicos das metrópoles do Sudeste e resolve ficar de vez por lá, atraída pela remuneração dos concursos públicos.

RESTAURANTES CHARMOSOS. Cargos públicos com salários altos e embaixadas de vários países ajudam Brasília a ter uma gastronomia cosmopolita. Folheando o livrinho Conheça Brasília Gourmet, vi uma porção de restaurantes charmosos e convidativos, que infelizmente não tive chance de conhecer. Entre os poucos lugares que experimentei, recomendo o Bendito Suco, que serve sucos e wraps fantásticos na 413 Norte, e o versátil Quitinete, na 210 Sul, mistura de restaurante, empório e cafeteria que abre 24hs (e faz trufa de brigadeiro). Também vale a pena cruzar o Lago Paranoá e passear no Pontão do Lago Sul - não tanto pelos quatro restaurantes, mas pelo lindo visual da orla (as pheeenas chegam de barco) e a vista da Ponte JK.

AS FESTAS FERVEM. A cena gay de Brasília ainda vive aquele adorável frisson que tomava conta do Rio de Janeiro no passado: a expectativa em torno das festas. As duas principais label parties são a Fun e a Festa da Lili, que a título de comparação, seriam a X-Demente e a B.I.T.C.H. candangas. Os produtores são entrosados (não se enfrentam marcando festas na mesma noite) e os sites já disponibilizam as datas do ano inteiro, o que ajuda quem não é de Brasília a planejar uma visita. Mais incrível ainda é a Kiss, que só acontece duas vezes por ano (em função dos aniversários do casal de produtores). A locação é a própria casa dos fofos, uma espécie de chácara no Lago Oeste, com piscina e vista para um vale - é lindo o visual após o amanhecer. O clima é leve e o público, bastante variado, com polo boys, agrobarbies e meninas fervidas; para manter a energia do povo até o meio-dia, uma farta mesa de frutas e até uma improvável canja de galinha (viva o Centro-Oeste!). Aconselhado pelos amigos, marquei minha viagem em função da Kiss e não me arrependi: não fica devendo nada a qualquer boa festa do Sudeste, sem deixar de lado o clima caseiro, que é um diferencial.

UÓ:

NO CAR, NO FUN. Uma má notícia para quem gosta de passear a pé, sem depender de ninguém: Brasília está mais para Barra da Tijuca do que para Leblon. Não existe vida sem carro: não se veem esquinas ou pontos de ônibus, não se anda a pé, não se cruza com ninguém na rua, é tudo sobre rodas - diz o clichê que brasiliense já nasce com duas rodas no lugar das pernas. Quem cai de paraquedas descobre que as distâncias são enormes e os táxis, além de caros, não passam na rua: só atendem por chamado. Para o turista desenturmado, Brasília é uma roubada. Para aproveitá-la, é indispensável ter feito amigos com antecedência ou, pelo menos, chegar com alguns contatos que possam dar o caminho das pedras. Você acaba dependendo dos nativos o tempo todo. Se eu não tivesse tantas pessoas amáveis que se dispuseram a me choferar, eu provavelmente teria odiado a cidade.

PREÇOS EXORBITANTES. Numa cidade em que todo mundo é servidor público, ganha bem e tem estabilidade, não falta bala na agulha e tudo é caríssimo. Na pâtisserie Daniel Briand, um simples crepe com salada e um chocolate frio me custaram R$45. No Universal Diner, um dos restaurantes da conhecida chef Mara Alcamim, os pratos de carne beiram os R$60; na outra casa dela, chamada Zuu a.Z d.Z, não é difícil a conta passar dos R$200 por pessoa. No Plano Piloto, um apê de dois dormitórios na Asa Sul sai em torno de R$500 mil; no novo Setor Noroeste (que não está à beira do lago, nem tem atrativos naturais), especula-se que eles custarão mais de R$1 milhão (gata, com esse dinheiro, eu compro um apê nos Jardins, outro em Ipanema, e ainda mobilio os dois!)

NOITE CAPENGA. Se quando tem festa a cena se movimenta, em noites normais Brasília não parece ser muito animadora - Goiânia, no estado vizinho, está vivendo um momento bem melhor, com vários clubes recebendo atrações renomadas do circuito gay. Sem querer ser indelicado ou antipático, não me parece que lugares como o Oficina e o Beirute justifiquem, por si só, uma visita para quem vem de fora. A boate Blue Space e o bar Savana seriam as melhores opções fixas, mas já trataram de me avisar que 'as bunitas' não vão a nenhum desses lugares. O que leva à constatação de que Brasília sofre da horrível "síndrome de Porto Alegre": o que adianta ter um povo bonito, se ele não sai da toca?

OUTROS DETALHES que felizmente não senti na pele, mas são queixas recorrentes por parte de outros visitantes: o clima extremamente seco (no auge da estiagem, dizem que o nariz das pessoas chega a sangrar!) e o terror das gangues - Brasília deve ser a cidade brasileira que tem mais problemas com violência juvenil. Sabe como é, quem é gay já fica logo de orelha em pé quando escuta uma coisa dessas...

[Fotos: Catedral Metropolitana; Santuário Dom Bosco; Pontão do Lago Sul; Ponte JK; pista externa da Kiss aos primeiros sinais de que iria amanhecer; povo dando um tempo e curtindo a vista à beira da piscina]

15 comentários:

Leandro disse...

a-do-rei! a-do-rei! a-do-rei! Tem certeza que foram apenas 48 horas?? vc sintetizou essa cidade com muuuuita propriedade! Ficou ótimo!

Da próxima vez, com um cadim mais de tempo, tente os arredores de brasília também! Tem até cidade de verdade perto daqui! Bjs

Rodrigo disse...

Bsb é só conheço 'a trabalho' e a unica vez que consegui fazer uma noite, fui na Blue e fiquei com um gaúcho (dã).

Sempre - muito - bem escrito.

=)

Serg... hahahahahaha

beto disse...

muito interessantes suas observações. gosto sempre de ler a perspectiva do introspective.

acrescentaria uma outra coisa peculiar de BSB: o sotaque de quem cresceu lá.
É meio difícil de descrever, talvez mineiro+nordestino com leve pitada de carioca...

eu tb fiz turismo cívico e gostei bastante, apesar de ter horror aos trabalhos tão desumanos do Niemeyer. mas, mesmo para achar feio, precisa-se conhecer...

o mundo gay de BSB achei MUITO esquizofrênico: apesar de não ser uma megalópole como SP ou RJ, tem o carão típico desses lugares.
e, ao mesmo tempo, tem essa coisa das "bonitas" evitarem lugares deslavadamente gays (nada mais que um tipo de estilo de vida meio closet ainda), como se vê nas outras cidades de mesmo porte no brasil (POA, salvador, recife, etc).

por outro lado, apesar do carão... as amizades que fiz em BSB são de primeiríssima qualidade e de uma presteza que não se encontra em outros lugares!

e concordo 100% com o comentário sobre o planejamento (totalmente ultrapassado, por sinal) que privilegiou ao extremo automóveis... nesse caso, está menos para a Washington brasileira do que talvez Dallas...

acho que não é sua praia... mas perto de BSB tem atrações naturais muito boas.
a Chapada dos Veadeiros (veadeiros são cachorros que caçam veados, srsrsr... gosta?) é muito legal para um programa natureza!

Thiago Lasco disse...

Beto: o brasiliense fala com sotaque capixaba! O blend de "r" carioca com mineirice soft é igualzinho ao que se pratica em Vitória.

Leandro disse...

a gente nem tem sotaque!!!

Lucas disse...

Own

Matheus Monteiro disse...

mentira que vc tava na kiss..
fui, mas nem vi o amanhecer..tive que ir embora mais cedo..mas adorei a festa
da próxima vez venha a goiânia tb...
bjão querido

Tiago disse...

Bom resumo, acho que captou bem a ideia da cidade. Bem, tem algumas coisas que um brasiliense da gema como eu gostaria de esclarecer, mas enfim, fiquei com preguiça de fazê-lo por aqui. Outro dia. No MSN talvez. Bjo

Lex Grego disse...

Deveria ter passado em Goiânia. Realmente a noite é bem melhor, super fervida! Se vier, dica de site: www.garotao.com

O que tem relacionado ao melhor do mundo gay da cidade, tem lá.

Anônimo disse...

Faça um favor oas candanGos:
NÃO VOLTE, OK?

Kento disse...

A "síndrome de Porto Alegre" a que você se refere deve ser igual ao que acontece aqui em MS. Tudo bem que as 2 boates gays daqui são horríveis. Mas existe uma festa legal com djs sempre renomados ( só esse ano já vieram Felipe Lira e Jeff Vale, e nesta semana Allan Natal, mês que vem Amanda) e numa boate linda hetero, mas que faz essa festa as vezes. E o povo já está querendo parar de ir, dizem que enjoa.
As "bonitas" lotam os 2 bares ( um as quintas e outro sexta e sabado) e depois pensa que saem de lá pra balada? Não! Saem direto pra cama, e na maioria das vezes desacompanhadas. Os bares são ótimos, mas que graça tem pleno sábado um bar?
Ao menos nesse ponto é melhor que SP ou RJ, ainda não conheco bares assim nas grandes metrópoles que ficam cheios, sem gente se drogando, sem gente sem camisa, com música diferente, com bandas tocando....mas isso pra mim teria que funcionar só até quinta no máximo. Não tirar público das boates no find como acontece.

Lips-K disse...

Legal o sobe e desce daqui. Só achei as informações sobre a seca e gangues meio exageradas.

A seca é brava e requer uns cuidados maiores: mais hidratantes, mais água... Mas sangrar o nariz? Será que quem te comentou não 'faz a linha' Amy Winehouse?

E a gangues... uns adolescentes sem ter o que fazer que na verdade brigam mais entre si e representam mais perigo pra eles mesmos que para os outros. Mas mesmo eles não sendo tão perigosos assim, Brasília ainda tem altos índices de violência - sequestros, furtos e afins crescem acompanhando a desigualdade gerada pelos mega-salários e alta taxa de desemprego entra a população com menos qualificação profissional.

Se achei esses 2 pontos over, também achei que podia ressaltar mais a 'noite capenga'. A noite enxugou muito em comparação com 2 anos atrás, a ponto de nem ter público pra Blue Space funcionar nas sextas-feiras.

Acertou no sotaque. Mistura de mineiro, goiano, carioca e pitadas do nordeste. Justamente as origens mais comuns de quem veio morar aqui. Acertou nos preços exorbitantes. Fico deprimido só de lembrar o quanto terei que gastar pra comprar o apartamento onde quero...

Enfim, gostei do texto e da foto da vista da festa Kiss que tá linda!

Luiz disse...

Sou outro brasiliense (ou candango, como queiram, não vejo problema em ser chamado assim) que achou a descrição da cidade o máximo. É mais ou menos isso aí mesmo.

O sotaque existe sim, e só percebi quando me mudei e, de lá, pude me dar conta de que os daqui falavam algo como um "blend de "r" carioca com mineirice soft" acrescido de "pitadas do nordeste". Sem contar as expressões que já revelam uma fala de cor local, vai-se-fuder-no-inferno é só o que me vem à cabeça.

Um dez pra quem aponta "essa coisa das "bonitas" evitarem lugares deslavadamente gays (nada mais que um tipo de estilo de vida meio closet ainda)". It's all true!!! Além do quê, essas bunitas, quando encontram as gentes daqui nas ruas do Rio e de Sampa, geralmente se tornam as "melhores amigas": lá. Ao retornarem, adquirem amnésia e nunca mais cumprimentam.

Sugestões para uma próxima visita:

- ainda o roteiro cívico: não deixe de visitar o palácio do Itamaraty (verdadeiro museu de arte), aberto todos os dias, e o palácio do Alvorada, este às quartas a tarde.

- arte visuais: procure ver às exposições no CCBB; na Caixa Cultural; no Espaço Contemporâneo; no Museu de Arte de Brasília e na Galeria de Arte do Banco Central, ambos com coleções fantásticas; no Museu do Complexo Cultural da República.

- Vá a Taguatinga. Pegue o metrô na estação central e desça na praça do Relógio. Assim, vc tem um panorama dos arredores e vai se sentir mais congregado no meio da multidão. Em Taguá, vc pode fazer compras no Taguacenter (uma espécie de 25 de março dentro de um edifício) ou pode ir a uma sauna pertinho de lá (de longe, a sauna gay mais interessante do DF)

- Saunas: pelamordedeus, vá ao parque da cidade a pé fazer pegação, mas não vá às saunas gays no centro de BSB. Uma alternativa, sauna do Hotel Nacional. Ela não é gay, mas tá todo mundo lá, no carão.

- Prostitutas e igrejas, skatistas e artistas, intectuais e executivos, sindicatos e óticas... o Conic é o que mais se parece a um centro de cidade. Eu amo. O café em frente ao Teatro Dulcina vale a visita.

- Vá a cidade de Pirinópolis, a uma hora e pouco do centro do Plano Piloto. As casas coloniais e as várias cachoeiras são um bom programa se tiver batendo um tédio e a seca. Se não quiser se deslocar do DF, vá a Água Mineral, no Parque Nacional, uma boa opção para banho e peguis, nas trilhas.

Daniel disse...

Meu comentário esta atrasadésimo, eu sei! Mas não posso deixar de comentar. Achei o post demais, pq resume bem as mazelas de BSB. Mas me sinto no dever de dizer que aqui tem pedinte sim, tem flanelinha também, o trânsito, durante a semana é um caos (é tranquilo no final de semana pq todo mundo viaja) e a galera buzina pra caramba (sem contar que são MUITO mal educados no trânsito!). E não sei que qualidade de vida existe em pagar mais de mil reais por mês pra morar numa kit de 24 m2! Se é pra ver o céu, pago um pouco mais pra morar numa cobertura em qualquer lugar do Brasil!). E quando a gente quer sair pra se jogar, o jeito é viajar! Ainda bem que existe Goiânia a menos de duas horas de carro daqui! Pronto, falei!

Escrava Sissi disse...

ahmm.. até q enfim um blog interessante de turismo! Estava de passagem e conheci. Prazer, simone, moro em bsb e vc sintetizou muito bem. Amei.