Todo ano, quando os caminhões lavam a Avenida Paulista depois da Parada, varrendo os últimos vestígios de um feriado sempre alegre e intenso, anunciando o fim da temporada festiva e a volta ao mundo real, eu me vejo tomado por uma certa melancolia. Os turistas que visitam a cidade nos contagiam com sua euforia, seu deslumbramento, e nós, os donos da casa, acabamos ficando tão enfeitiçados quanto eles. É como se, por alguns dias, vivêssemos num universo paralelo, onde a confraternização acontece em cada esquina, a vida é cor-de-rosa, não existem problemas, todos querem conhecer gente nova, e aproveita-se cada minuto. Quando o oba-oba acaba, também ficamos meio jururus. Nós temos toda a estrutura de lazer de São Paulo ao nosso inteiro dispor o ano inteiro, mas ela fica menos divertida sem o frescor e o entusiasmo da turistada.
Desta vez, porém, minha experiência pessoal foi um pouco diferente. Por diversos motivos, neste ano não pude flanar pelas ruas e sentir essa vibração gostosa emanando da cidade. Também não mergulhei de cabeça nas festas, como de costume. Tive que reduzir muito o meu envolvimento com tudo e, se não aproveitei tanto, também não senti a tal melancolia do pós-tudo. Aliás, para mim foi um feriado que passou voando. Hoje, provavelmente estou bem mais inteiro do que os meus amigos. De qualquer forma, deixo aqui algumas impressões, satisfazendo a curiosidade dos que acessam este blog em busca de novidades.
Em relação às festas, a única que eu vi com meus próprios olhos foi a GiraSol, como já adiantei no post anterior. Voltei para casa bastante satisfeito, embora tenha achado que ela não repetiu a magia do ano passado (não tem jeito: por mais que se mantenha a mesma receita, cada edição acaba sendo única). Conversei com muita gente, para ter uma ideia geral das festas e saber o que eu estava perdendo. Não teve tempo ruim: todo mundo gostou de tudo, da decoração da Daslu à pegação do Pacha, passando pelas festas na The Week - especialmente o som de quarta e a jogação prolongada do sábado. Meu amigo Thales de Brasília comentou que, em relação aos outros anos, as festas estavam menos superlotadas e o povo estava bem mais bonito - o que me pareceu uma constatação bastante positiva. Mesmo com a tal crise (as produções foram mais modestas e os preços dos ingressos estiveram bem realistas), as festas rolaram superbem. E outros públicos também foram bem servidos: havia muito mais opções de festas para meninas e ursos do que nos anos anteriores.
Já a Parada em si... sempre fiz a maior campanha para as pessoas prestigiarem, mas está ficando cada vez mais difícil defendê-la. Sobre os diversos comentários elogiosos, como o do Tony, que exaltou o caráter inclusivo do evento, o espaço para "os excluídos do meio gay" tornarem-se os donos do pedaço por um dia e serem felizes, eu concordo com todos. Mas também não vejo nenhuma novidade neles. A Parada sempre foi democrática, esta é a sua essência, e isso nunca foi problema, pelo menos não para mim. Não sou desses elitistas que reclamam que "só dá gente feia e pobre"; eu mais do que simpatizo com a mistura entre diferentes tribos e classes, tanto é que continuo batendo cartão na Feira Cultural, um evento 110% periferia. De verdade, acho fantástico que todos, "incluídos" e "excluídos", tenham espaço e liberdade para ser o que quiserem e se divertir como bem entenderem, e penso que parte da beleza da Parada está justamente aí, na pluralidade. Mas não é essa a questão.
A questão é que a nossa Parada Gay deixou de ser nossa. Ao se tornar um evento de massa de proporções gigantescas, com o chamariz da sexualidade hiperexposta, ela foi invadida e apropriada por visitantes da pior qualidade. Não por serem héteros: ao invés de combater preconceito com preconceito, precisamos deixar os héteros se aproximarem de nós, se realmente queremos que eles nos aceitem. Mas por serem verdadeiros aborígenes selvagens. Gente que certamente não estava lá para nos apoiar, mas sim para protagonizar cenas dantescas de violência e vandalismo, estragando a festa e colocando em risco a segurança de todos. Escapei de confusões, brigas e furtos várias vezes. Vi pessoas chorando, sabe-se lá se tinham apanhado ou sido roubadas. Encontrei amigos em estado de choque, porque tinham visto um homem ser derrubado com uma marretada (!) na cabeça. E depois ainda soube dos espancamentos de gays nas redondezas e da bomba jogada na Vieira. De uns dois anos para cá, a Parada tem ficado cada vez longe da festa amistosa que já foi um dia. Não é à toa que cada vez mais gays deixam de comparecer. A barra pesou.
O pior é que esses intrusos roubaram o nosso evento e estão acabando com ele, mas quem vai pagar o pato somos nós. São os gays que sairão arranhados perante a sociedade, com a pecha de vândalos e baderneiros, reforçada por toda a imprensa leiga. Uma imagem piorada por algumas pessoas praticamente peladas, fazendo coisas que dificilmente fariam no meio da rua se não estivessem fora de si (mal pude acreditar em cenas que vi ao redor do MASP). Não sou falso moralista, não gosto menos de putaria do que todos os outros, mas não consigo achar que esse é o recado que temos que passar para o resto da sociedade. Politicamente, para quem ainda está tentando se fazer ouvir e respeitar, isso é um completo desastre - e um prato cheio para nossos inimigos.
Não estou fazendo campanha contra o evento, não. Aliás, não é nada cômodo para mim fazer estas críticas, quando o que se espera de mim é justamente o contrário. Eu adorava a Parada, sempre achei uma mobilização lindíssima, insisti nela o quanto pude, mas agora estou seriamente tentado a não dar as caras na Paulista no ano que vem. Se for para continuar assim, não tenho mais vontade de repetir a dose. Posso tranqüilamente ficar em casa, ou mesmo fazer qualquer outra coisa, porque hoje entendo que, se a Parada nasceu como um gesto político, existem mil outras maneiras de cumprir com nosso dever cívico, algumas delas bem melhores do que essa. Do jeito que está, reduzida a uma micareta de quinta categoria, perigosa e esvaziada de um sentido maior, a Parada não agrega nada de bom à causa LGBT, nem agora e nem para o futuro. E ainda pode render muita dor de cabeça.
terça-feira, 16 de junho de 2009
Ainda bem que não temos só a Parada
Postado por Thiago Lasco às 12:10 PM
Marcadores: gay, introspective, parada, são paulo
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24 comentários:
Oi Thiago,
É triste mesmo, eu não fui esse ano, mas conheço quetro pessoas que foram e tiveram as mesmas impressões de que vc e o carioca virtual.O pior é que a midia tipo a Globo só falam das cenas bizarras..........
Eu fui e vi muitas cenas dessas que vc relatou no post...
Acho que a parada tem de ser reinventada, começar lá do zero...pequena, nova data, novas pessoas. Do jeito que está atualmente a tendencia é piorar.
foi triste...
:/
Perfeito, Thiago. Outra visão, igualmente realista. ;-)
Perfeita mesma a sua visão querido Thiago, assim como tb perfeitas as colocações acima ... esta foi a nona parada que participo e confesso que foi a última ... precisamos com certeza re-inventá-la ... não sou contra a alegria q sempre a caracterizou mas ela perdeu o foco, tornou-se um evento sem controle e perigoso ... estava na janela do hotel qdo explodiu aquela bomba na Vieira ... UM ATENTADO DÍGNO DO IRAQUE OU AFEGANISTÃO ... para a imprensa que noticiou UM LEVE INCIDENTE ... autoridades omissas ... e nós ainda muito pouco conscientes do q são direitos e cidadania ... enfim ... muito ainda por fazer e por conquistar ... mas sou otimista ... acredito ainda ...
bjux
;-)
uma única palavra: lamentável.
Ando pensando muito na violência e na baixaria que cercam a Parada, e lido todos os posts e comentários a respeito, no meu e em outros blogs. Estou chegando a uma conclusão tristíssima: o problema não é a Parada. O problema é o Brasil.
Hoje em dia, qualquer festa brasileira de rua termina em baderna. Carnaval, comemoração de futebol, parada gay, you name it. Não são os gays os responsáveis, mas sim... os brasileiros.
Uma medida para evitar tanta violência seria proibir a venda de bebidas alcóolicas durante esses festejos. Mas claro que não daria certo: quem vai coibir? A polícia? Hahahaha. Vão prender uns pobres coitados, mas o resto vai continuar vendendo, comprando e se embebedando. E brigando.
Na Parada Gay de Nova York, a mais antiga do mundo, não se vende álcool. Quem tiver sede, que beba água ou refri. O resultado é uma festa cívica, cheia de deboche, mas também política e consequente.
Vou subir um post a respeito, esse assunto rende.
Parabéns pela habitual clareza das ideias, e por prosseguir o debate.
Ah, só um detalhe politicamente correto: "aborígene" quer dizer "natural de". Eu sou aborígene do Rio de Janeiro, por exemplo. Melhor trocar a palavra por "selvagem" ou coisa que o valha.
Grande beijo
Tony
P.S.: Cadê a cartilha? Estou louco para NÃO ler, hahahaha
PARA MIM, o post definitivo sobre o assunto. Eu já desisti da parada há um bom tempo E CONCORDO EM TUDO QUE VC DISSE.
Beijo grande.
Creio que sua opinião venha a alcançar um público grande. Se isso não ocorrer, ao menos, deveria.
Atualmente, creio que o mais importante seja possuir o espírito da Parada (aquele de reivindicação de pleno gozo de seus direitos) cotidianamente.
Enquanto cidadão homossexual, discordo plenamente da imagem que esta Parada vem divulgando sobre nossa orientação sexual. O objetivo que queremos alcançar é de simples compreensão: "queremos respeito? sejamos os primeiros a demonstrá-lo!"
Esse movimento é importante para muitos (pra mim já foi), embora tenha sido falho! Deve ser repensado para continuar. Não podemos sair de cena, mas também não é mais possível continuar como está. Ficam os meus protestos!
Abraços
É Thiaguinho acabei não indo na parada...depois da Girassol achei melhor recolher os ossinhos em casa e passar o dia dormindo. No ano anterior fiquei decepcionado e no sábado fui assaltado na augusta com oscar freire, levaram o celular e o orgulho de nunca ter passado por uma situação assim antes em São Paulo. Bom adorei tê-lo encontrado na Girassol e achei o máximo vc comentar que eu conhecia todo mundo! E eu respondi que não fazia ( e não faço) carão!!! Beijos e saudades!!!
Li quase tudo que publicaram sobre a parada e não acho ruim o caráter popular do evento. Devemos, sim, exigir segurança e boa organização, mas jamais errar no tom e fazer coro com os elitistas. Excelente texto, Thi!
Li quase tudo que publicaram sobre a parada e não acho ruim o caráter popular do evento. Devemos, sim, exigir segurança e boa organização, mas jamais errar no tom e fazer coro com os elitistas. Excelente texto, Thi!
O fato é que a parada mudou pra pior (não dá pra procurar culpados! todos temos uma parcela de culpa!) e é possível que nós tenhamos mudado tambem e para melhor... ou seja, estamos mais exigentes e precisamos mais da parada, não apenas do número (visibilidade!), mas da qualidade (respeito). Nesse momento podemos e queremos fazer mais, queremos emprestar o nosso nome, a nossa honra, o respeito que cultivamos duramente ao longo de anos, a nossa altivez, ao movimento... mas isso não se consegue fazer em "micareta de quinta categoria" com "um bando de selvagens alucinados e toscos" tentando destruir qualquer chance de sermos consideramos "homens de bem". Foi uma vergonha e continuará sendo se nada for feito! Quem disse o contrário está sendo demagógico e politiqueiro. Precisamos mudar... Sugiro: ROUPA (CAMISETA E CALÇA) BRANCA PRA TODOS PARA IGUALAR, UNIFORMIZAR E CONTROLAR ABERRACOES.... E LEI SECA!!!! WHY NOT??? VAMOS TENTAR?
Coloquei minha opinião no blog também. É preciso repensar o modelo, e isso tem de ser feito a muitas cabeças. No entanto, a crítica burra, o coro elitista que o Cris mencionou, não ajuda em nada. Ainda bem que você está acima disso.
Continuo pensando, porém, que a Parada tem significado pra muita gente ali, discordo de que seja uma micareta de quinta. Só está difícil fazer isso se sobressair aos problemas que envolvem estrutura e segurança, e que vão acontecer em todas as outras manifestações públicas desse porte em São Paulo. Há de se repensar, e com urgência.
meus dois centavos de opinião:
acho que tudo é uma questão de expectativas. há vários anos já me resignei com o fato de que a parada tinha se transformado em micareta gay - e depois micareta gay+HT - e fui ajustando minha participação nela.
primeiro foram aquelas dicas básicas que se dá para gringo que vem no brasil: não leve com vc nada que possa te fazer falta, pois a chance de ser roubado é muita.
depois desisti de levar minha mãe ou amigos HT (coisa que já fiz no passado), justamente por achar que, além dos tumultos e outros problemas de insegurança, a parada mais queimava o filme dos gays do que ajudava - por causa do tipo de comportamento que vc aludiu.
finalmente, decidi que só no alto e na segurança de um dos trios que EU mesmo iria.
Triste? Sim, é triste. Mas estou no mesmo time do Tony que acha que triste é esse lado do Brasil (e não só do mundo gay), onde qualquer concentração humana termina desse jeito. E que, mesmo com todos esses problemas, a parada ainda é melhor do que a realidade de muita gente na Grande São Paulo.
Como não pretendo me mudar para Oslo, pois gosto muito de outros lados do Brasil, ficou o dilema: desistir de vez da parada e entregá-la na mão dos trombadinhas e selvagens ou tentar ir de alguma forma? Resolvi não desistir ainda, mas sei que a minha solução não funciona, pois não vai caber todo mundo em cima dos carros.
Infelizmente a realidade brasileira invadiu a Paulista de vez. Não sei o que é pior, desistir de vez, ou virar carnaval de salvador, com quem pode $$$ dentro das cordas cercados de segurança e quem não pode $$$ na pipoca.
nao vi nenhum comentario da festa do Rei...alguem foi? foi boa?
A última parada que fui (em SP) foi em 2005 e a lotação já tinha passado do limite. Hoje vejo leeeenda pela televisão com minhas amigutchas. Fico leeenda, seca e segura!! Principalmente segura!! Um beijo e me liga, fio!!!
Parei de ir em 2006 ou em 2007, exatamente pelos motivos que você expôs, naqueles tempos certamente menos intensos do que são hoje. É uma pena, né? Espero que isso mude, algum dia. Estou esperando a Cartilha, hein?
Beijo e saudade!
Sempre acompanhei a Parada, e sempre foi violenta. Ja Tive que socorrer pessoas, e isso a dois anos atras.Agora vejo da janela de meu apartamento e desço so na porta do predio e com cuidado.Uma pena.Esse ano nao teve policiamento como antes, nao tinha revista nas ruas tranversais,poucos banheiros, menos gente, nao teve sequer contagem.Agora, as boates que so lucram e muito com a festa, nao quiseram pagar 10 mil pra estar na parada.Era muuita grana assim pra The Week?
Seu texto e o comentario do Toni Goes talvez sejam a resposta definitiva de todo este falatorio sobre a Parada. Que evento no Brasil nao acaba em confusao. Agente queria que por sermos gays isto nao acontecesse. Mas acho que temos em nossas fileiras gente assim tb. E a luta para nos desvalorizar vai ser eterna. O que nao posso adimitir e ficar sem uma manifestacao, mesmo que nao seja a ideal. Tenho isto no coracao, talvez por ter vivido toda a ditadura, que a liberdade e fundamental. Um dia meu caro, quero ver, talvez eu esteja la pelos 90, um casal gay se beijar e nao ser importunado, esteja onde estiver. Seu texto e admiravel , mas nao perca a experanca, eu defenderei a parada ate a morte, grande abraco
paulo
As Paradas sempre foram micaretas disfarçadas. Aqui no RJ, poucas são as pessoas que estão, de fato, engajadas em conseguir algo melhor rumo ao fim do preconceito. A grmnde maioria, infelizmente, só quer saber de putaria, o que acaba reforçando o estereótipo de que os homossexuais são promíscuos e fúteis. Uma pena que a mídia não dê ouvidos para essa minoria...
Se a Parada chegou a esse ponto de violência, por parte dos héteros que entram para atrapalhá-la, seria o caso de coibir esses abusos, não de desistir da Parada, a meu ver. Dia 28/6 vou participar da primeira Parada Gay em Joinville, e fico receosa só de ler sobre casos de violência em outras cidades. Já ouvi mais de um homofóbico dizer que estará na Parada para impedir que ela ocorra. Se isso acontecer - se desistirmos das paradas - será como dar a vitória aos homofóbicos.
pois é, nem tenho propriedade para falar do assunto!
A Parada sempre me incomodou um pouco, pelo seu contexto (!) geral e hoje me pertuba mais. Se ela tem como objetivo a "conscientização" e o "respeito" com um pouco de causa política e social não deveria ser um carnaval fora de época, uma micareta-marginal do inverno, a maior aglutinação da fauna humana. Ainda se tem uma imagem muito jocosa, utópica, fictícia, fantasiosa e preconceituosa que so alimenta ainda mais com "todo" (não me refiro a todos e sim a uma boa fatia do bolo) o movimento drogado e bêbado causando perante a mídia e a sociedade.
Acredito que o caminho não é por ae, e antes o que ajudava hoje atrapalha.
Sobre a violência não me alarmei tanto. Um jogo de futebol com 20 mil pessoas sempre termina com uns 200 coitados estrupiados enquanto a parada com os seus magnificentes 3,5 milhões não atingiu tal estatística. A questão é o volume e a massa de pessoas.
Minha ultima parada foi em 2005 tbem (como da Lindinalva) e de la pra ca fui execrado, praticamente amaldiçoado por todos pra quem falei o que hoje todos falam em côro... uma pena que a demora pra perceber o obvio da grande maioria seja tao grande. Mas é isso ai, uma hora a ficha cai assim como espero que caia definitivamente que essa Parada nao passa de uma parada! Parada no tempo, nos conceitos, nas lutas e principalmente nas conquistas. Divertir o povo com pao (sacanagem e balinhas) e circo (festas e concentração nas ruas) nao é a forma como se consegue nada.
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