Saiu a edição 2009-2010 do Comer & Beber, anuário de restaurantes, bares e comidinhas da Veja São Paulo. Minha mãe, tão ligada em comida quanto eu, manuseou o pesado volume por alguns minutos e depois o encostou, com um certo desinteresse. "Essas indicações são todas compradas. Não acredito mais nelas. A Dulca com o melhor doce da cidade? Pfff!", desdenhou. Quando falei sobre a edição do ano passado aqui no blog, recebi alguns comentários no sentido de que esse guia era "vendido". Para ilustrar seu raciocínio, um deles mencionara que um jurado que era "do ramo" havia indicado o insosso America como a melhor cozinha rápida da cidade.
A indicação de um restaurante como o melhor em uma certa categoria é uma escolha totalmente subjetiva de cada jurado. Mas alguns casos são intrigantes. Na categoria cozinha contemporânea, por exemplo, 9 entre 10 jurados escolheram o Maní, e sua dona, Helena Rizzo, ainda foi eleita a chef do ano. Gosto do lugar - agradável, charmosinho, com um pé no rústico-chique e uma chef linda - mas acho que existe um excesso de babação de ovo e deslumbramento no fato de as (diminutas) receitas serem preparadas com técnicas da vanguarda espanhola (o próprio Ferran Adrià já esteve lá). Pode até ser um dos dez contemporâneos mais interessantes (e hypados) de SP, mas não consigo enxergar nele o cacife de ser uma unanimidade absoluta. [Aliás, meu preferido é justamente o que o jurado dissidente escolheu: o Sal].
Essas desconfianças em torno da crítica gastronômica me lembraram um post que li em um blog especializado, o Que Bicho Me Mordeu, questionando o mérito do guia Josimar Melo (editado pelo próprio, que é crítico da Folha de S.Paulo). O que chamou minha atenção não foi propriamente o texto, mas sim os comentários exaltados de donos de restaurantes sobre Josimar. "Ele leu o cardápio durante 10 minutos e depois escolheu o RODÍZIO! E ainda teve a cara de pau de falar dos pratos à la carte na crítica!". "Novidades não muito bem sucedidas, como o nhoque de beterraba com molho de alho poró, ou de ricota defumada - Nunca servi tal aberração! Escreveu sobre o que não comeu e nem existe!""Ele foi só uma vez ao restaurante, logo na inauguração, mas o guia continuou atualizando e até deu estrelas. Será que ele está terceirizando seu serviço?" "Quem é do meio sabe a picaretagem!" Enfim, bafos e mais bafos.
É preciso saber relativizar o que se lê em uma crítica. Além da questão da subjetividade, existe a própria limitação da avaliação, que não dá conta de ir além de uma primeira impressão. Como bem observou um leitor do blog que eu citei, "na maior parte das vezes, nem 10% de um cardápio é avaliado. Então fica difícil tirar conclusões justas sobre o trabalho do restaurante todo. É como se um crítico de música escutasse apenas uma música do disco, ou visse apenas 10 minutos de um filme: será que daria pra confiar na opinião desse sujeito?".
Outro ponto importante: se for reconhecido, um crítico tem grandes chances de receber comida e tratamento diferenciados em relação aos demais mortais, produzindo resenhas artificiais, que não retratam a experiência do cliente comum. Os manuais de ética de órgãos como a Associação dos Jornalistas de Comida (EUA) e da própria Folha recomendam que os críticos permaneçam anônimos o tempo todo, mas isso não é fácil para os que mostram a cara em jornais, cursos e eventos (como o próprio Josimar). Moral da história: em meio a tantos conflitos de interesse, resta a mim e a você ler as resenhas com um saudável pé atrás. O guia da Veja pode ser um catálogo fantástico e imprescindível - mas quem tira as minhas conclusões sou eu.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Comida com um pé atrás
Postado por Thiago Lasco às 4:32 PM
Marcadores: jornalismo, restaurantes, são paulo
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8 comentários:
O nome é permuta. Fala de mim e come de graça. Com todo respeito aos seus estudos, mas jornalismo virou uma faceta da publicidade, talvez por isso estar tão desvalorizado. Chego a crer que tudo o que é publicado em um jornal tem viés de marketing. Só entra se for interessante para a empresa. Não é diferente na área de gastronomia. Ainda mais que grande parte dos investimentos de um restaurante não estão na cozinha e no serviço e sim na publicidade. Acredita quem quer.
Bem, a Dulca seria uma das melhores docerias, sim. Mas desde que fechou sua loja MARAVILHOSA na Vieira de Carvalho... Os sonhos ja nao sao mais tao saborosos. :( A casa ainda manda bem, mas, poxa, nao eh mesmo a melhor. Alias, tem coisa pior do que "o melhor bolo de chocolate do mundo"? Aquilo nao eh bolo, eh suspiro com merengue com uma dose astronomica de auto-afirmacao. Gongo!
Crítica gastronômica é um assun to in cendiário no mundo todo. Leu a entrevista do ex-crítico do "New York Times" hoje, na "Folha"? Interessante.
Confesso que eu consulto muito a opinião do críticos (muito mais para cinema e teatro, pois gastronomia comecei a dar mais atenção depois de virar leitor deste blog), mas segui-las de forma cega e reproduzi-las em tom esnobe é sempre uma roubada, até pq tem uns que embarcam em cada egotrip...
Meu Queridãoooooo
Então, a loja e restaurante da qual faço parte e comando, a "Kylix Vinhos", faz parte deste anuário, assim como no ano anterior, e posso afirmar que não, não é comprado! rs
Mas claro, quando nos deparamos com alguns comentários de criticos e tal, ficamos mesmo na dúvida!
A comparar com a edição passada, a quantidade de anuncios, e o mapa dos melhores em são paulo, é nítido que a parte comercial da publicação lucrou e muito!!!
1/4 do povo de S.Paulo morre de fome playboyzinhos & wannabees....
sobre fazer a crítica no restô: vc leu o ótimo "Garlic and Sapphires: The Secret Life of a Critic in Disguise" da Ruth Reichl, ex-crítica do The New York Times?
ela visitava o lugar pelo menos 3 vezes antes de publicar uma crítica. muito mais critério. e o melhor, usando disfarces diferentes para não ser reconhecida e ter tratamento especial. o q poderia influnciar o q chegasse à mesa dela.
atualmente o melhor doce só pode ser da douce france. um dos únicos q não é gordura hidrogenada e linha de produção, como dulca (argh) e ofner (argh, argh!). usam manteiga e creme de leite frescos, com produção praticamente artesanal.
em chocolate até a kopenhagen - aquela desgraça, q perdeu todo o sabor depois de ser comprada pelos donos da maracujina - como melhor segundo alguns votantes? impossível.
a chocolat du jour, q mistura chocolate nacional com importado pra render mais, ganhar como melhor? outro vendido.
aliás, chocolate tem q ser bom na origem. os melhores em escala para comercializar são Callebaut ou Valrhona. muda o jeito do chocolatier derreter e montar. não tem segredo.
quem está fazendo chocolate puro - usam valrhona - e MUITO bom é a www.chocolatesmarghi.com.br de um casal de alemães em interlados.
o bombom com pistache é de comer ajoelhado. e o pão de mel - spitzkuchen - é o melhor q vc pode comer no brasil.
mas a marghi sequer é citada no anuário da vejinha.
sinceramente, não acredito neles. prefiro opiniões de blogs como este seu, muito mais sincero.
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