quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sauípe 2010: muito Heaven e pouco Hell

Hell & Heaven 2010. Pela segunda vez, o resort Costa do Sauípe, no litoral norte da Bahia, hospeda um festival de música e festa para o público gay. Dois hotéis do complexo são fechados para o evento, divulgado ao longo de doze meses por meio de ações promocionais nas principais capitais e na mídia especializada, atraindo homens de vários estados brasileiros, dispostos a se jogar em festas alucinantes. "Qual é o seu pecado?", provocava o mote do H&H. Depois de anos de estrada em Carnavais, Réveillons e Paradas no eixo SP-Rio-Floripa, o que esperar e como se preparar para um trem desses? O melhor é respirar fundo, cortar os carboidratos, comprar um bom suprimento de camisinhas e já deixar o nome na fila de transplantes de fígado pelo SUS: a jogação tem tudo para ser intensa. Afinal, a fórmula é a mesma de sempre, só que dessa vez enfeitada com uns coqueiros baianos. Certo?

Pois não foi bem assim.

Para começar, o H&H não foi, nem de longe, tão pesado como eu imaginava. Pensei que seria um turbilhão nonstop das 12h de sexta às 12h de domingo, tipo "salve-se quem puder". Mas a programação do evento foi muito bem amarrada, intercalando períodos de festa e de descanso. Todo mundo pôde fazer todas as refeições (comendo apenas o necessário, já que o bufê era medíocre, com exceção do café da manhã) e também dormir, sem comprometer a farra. É lógico que dançar e tomar o sol forte do Nordeste cansam o corpo, mas cheguei em casa muito mais inteiro do que nas minhas voltas do Carnaval no Rio ou Florianópolis. E olha que, antes do Sauípe, eu já estava me jogando em Salvador havia uma semana.

Outra surpresa: as festas cumpriram seu papel, mas não foram os pontos altos do H&H. O que se fazia era simplesmente montar um palco e um telão na área da piscina de um dos hotéis (e, na festa seguinte, na piscina do outro, dando uma ideia de variedade), ligar o som e chamar os DJs. Sem qualquer refinamento (o tal selo argentino só deve ter emprestado o nome), sem aquele clima de grande produção que marca as tardes de Rosane Amaral no Rio e as noites de André Almada em SP. Nem mesmo a festa principal - a noite de sábado, trazendo o headliner Peter Rauhofer - fugiu disso. A produção poderia ter projetado luzes coloridas nos coqueiros, uma ideia simples que teria criado um efeito incrível, mas se limitou a repetir o telão e meia dúzia de luzes sobre as pessoas, que se equilibravam nos desníveis do terreno acidentado para dançar.

Um fator que contribuiu para que as festas não impressionassem tanto: o evento já mantinha um clima festivo o tempo todo. Na chegada ao resort, o público era recebido para o check in com house e tribal; depois, na piscina, mais música; chegando no salão para jantar, lá estava Offer Nissim nos falantes para dar uma animada. Por isso, quando começava uma "festa propriamente dita", não havia um incremento de emoção em relação aos períodos "sem festa": o que acontecia era uma mera mudança de cenário. Se eu senti uma diferença maior na noite de sábado, foi pelo aumento do público (os moradores de Salvador tiveram a opção de comprar o ingresso avulso para essa festa), pelo som do Peter (que deu o clima mais encorpado que a noite pedia), e também pelo fato de que aquele era, afinal, o clímax antes da despedida. (E foi mesmo especial viver o amanhecer daquele cenário, com o marzão crescendo diante dos nossos olhos ao som de um Peter inspirado).

Além disso, a pegação também ficou aquém do que se podia esperar ao se colocar um monte de homens gays, bonitos, isolados num cenário daqueles. Enquanto dava meu giro de reconhecimento pelo resort, eu imaginava o povo indo aprontar na praia de madrugada, se comendo nas moitas e matinhos que enfeitavam as áreas comuns, zanzando freneticamente pelos corredores de um quarto para o outro. Mas não vi nada disso; se chegou a acontecer, então eu estive nos lugares errados, ou na hora errada. Mesmo durante as festas, achei a beijação bem mais contida do que num bom Carnaval - sendo que estávamos no Estado brasileiro onde mais se beija nessas festas, e fiquei lúcido o suficiente para entender o que se passava ao meu redor. (Logo eu, que me fantasiara num quarto de hotel com mais três, fazendo um picante role play nordestino, sendo a rolinha de vários coroné, enfileirados para colocar a pomba no meu boga e me dar uma boa pisa... Só fiquei zen porque já tinha chegado de Salvador pra lá de saciado!)

Mas nem por isso eu deixei de gostar do Hell & Heaven. A experiência valeu a pena e eu certamente repetiria a dose! O espaço do resort é muito bacana, as áreas comuns são grandiosas e, se a praia não é particularmente bonita para os padrões baianos, é mais do que suficiente para encantar mineiros e brasilienses (esses grupos eram maioria; já baianos e pernambucanos, vi bem menos do que esperava). Meu quarto era bastante confortável, e o outro hotel oferecido era ainda melhor. Sei que não temos que buscar o gueto e sim a inserção social, e blá blá blá, mas foi sensacional ter toda a estrutura do Sauípe só para nós, gays. Isso sim eu considero o grande highlight do H&H. No café, nas piscinas, em toda parte, todo mundo tranquilo, integrado, falando a mesma língua, vivendo a mesma onda. Reconheço que no final eu já estava até meio enjoado de ver tanto viado junto, mas o evento teve a medida certa. Talvez eu colocasse um dia a mais para o povo poder curtir o resort (tivemos apenas o sábado inteiro, os outros dois dias foram de trânsito), mas não mais do que isso.

Acima de tudo, preciso reconhecer que o astral do H&H esteve lá em cima o tempo todo. As pessoas pareciam desarmadas, tranquilas. Talvez tenham cansado de seguir à risca a cartilha dos excessos e resolvido simplesmente relaxar e curtir o resort, sem maiores pretensões. O clima era tão leve, mas tão leve, que eu poderia ter gravado um vídeo compacto do evento e mandado para minha mãe. E o evento foi um sucesso: na reta final, todos os quartos acabaram vendidos, e já estão marcadas duas edições em 2011, em maio (Angra dos Reis) e novembro (Sauípe novamente). Se foi um pouco diferente do que eu imaginava, numa próxima já irei com o espírito mais preparado. No aeroporto de Salvador, na fila do check in para SP, eu continuava me surpreendendo com mais e mais homens lindos, que também voltavam no H&H e eu nem tinha visto. Todos com uma cara boa, realizados. Talvez a gente possa se reeducar para não ter que beijar todas as bocas e se atracar com todos os corpos para sentir que aproveitou, se divertiu e foi feliz.

[Foto: Genilson Coutinho/ACapa]

21 comentários:

João Pernambucano disse...

Eâe tiago, olha só,

fudi com vááários homens maravilhosos, os mineiros sempre na lista dos mais ativos sexualmente (duplo sentido da frase).

Achei o evento INCRIVEL nunca tinha ido, meus amigos AMARAM, eu estou encantandíssimo com tudo.

De fato, nem se compara com Carnaval de Rio... HH foi um encontro sublime com a natureza, amigos, música boa, praia, piscina, a onda foi OUTRA! Eu diria que BEM MELHOR do que estamos acostumados. Mas a pegación e a jogación, desculpa, eu aproveitei sim ! risos risos Ai se meu quarto de hotel falasse!

ER disse...

Thiago, apenas um comentário sobre Rio de Janeiro.
Festa de Rosane Amaral, nunca foi bem produzida.
E nos ultimos dois anos o que se vê é apenas uma festa de Laje.
O Rio de Janeiro está precisando urgente de festas bacanas.

Rodrigo disse...

sabe que eu tinha curiosidade desse H&H... quem sabe na proxima.

tommie disse...

Tô com o ER, não sei agora, mas R.Amaral vivia repetindo a mesma "decoração", mesmos djs com seus mesmos sets, a animação do público era que dava o tom da festa. Eu acho caça níquel (dos poucos que pagam, já que a listinha vip é gigante) que aposta em fórmula manjada.

Wans disse...

Sempre que eu leio a respeito dessas festas me vem à cabeça os sarados e fortões se jogando na pista sem camiseta. É totalmente o inverso da minha realidade. Mas gosto de saber sobre as suas jogações, viu?

bjão

Thiago Lasco disse...

ER e Tommie: Em relação à Rosane Amaral, quando escrevi pensei especificamente naquelas festonas que ela fazia na Estação do Corpo nos velhos tempos. Não tenho acompanhado a trajetória recente dela, acredito no que vocês me disserem, afinal moram no RJ e estão mais por dentro do assunto do que eu!

OOM disse...

Sou obrigado a concordar com o “ER”... Rosane Amaral perdeu o “mojo” já tem algumas festas... E principalmente em dizer e afirmar que o Rio de Janeiro anda num marasmo sem fim. Quero só ver o que será do nosso Reveillon. Até o presente momento nenhum produtor fez algum sinal que possa acontecer algo surpreendente.

Agora sobre a pegação, sabe que eu estou achando que isso é uma tendência; a falta dela... Tenho visto que as festas são só festas e pegação é coisa do inverno passado. Obviamente elas acontecem, mas numa escala muito menor que anos atrás. Claro que não podemos apontar isso como uma verdade absoluta, mas que o povo anda mais calmo isso anda. Acredito que o foco no momento é outro.

Ainda não conheço o H&H, confesso que é um tipo de evento que não faz a minha cabeça. Principalmente por ver que o line é a mesma coisa que teremos daqui a pouco em nossas cidades, sei bem que a localização faz toda a diferença; mas não gosto de pensar em ouvir pela quinquagésima fez o Peter tocando.

Agora voltando ao assunto produção, até escrevi esses dias no blog que as festas perderam essa essência. Até mesmo os festivais (digamos héteros) estão ganhando no quesito – “me impressiona, por favor?!”. Lá se vai o tempo que a X Demente reinava com seus cenários luxuosos... Mas isso é outro assunto...

Estou praticamente fazendo um post aqui!! Ah!... Seu blog virou manual para o Reveillon em Floripa!!! Hahahahaha

:)

Ótimo txt como sempre!

Thiago Lasco disse...

Lucca Koch: Ué, mas como meu blog poderia servir de manual, se eu nunca passei um réveillon em Floripa?

Também acho que essa certa apatia pela pegação pode ser uma tendência, viu? Eu estava tricotando com um DJ que tocou no H&H e ele me disse exatamente a mesma coisa que você: "o foco no momento é outro". E tive que concordar com ele, pois as pessoas não estavam mesmo muito preocupadas com isso.

No Carnaval de Floripa eu já tinha escrito que "ninguém pegou ninguém", mas o contexto lá me parecia um pouco diferente. Era a velha história do carão, de ninguém ser bom o suficiente. No H&H, as pessoas não estavam carudas, azedas. Estavam até simpáticas, só que desencanadas de caçar.

OOM disse...

Ele esta servindo para: onde ficar, qual melhor pousada, como fugir do transito.. essas coisas, pq o carnaval não deve ser muito diferente do reveillon ;)

OOM disse...

esta servindo para pegar as dicas de pousadas e onde acontece o fervo... pq praticamente deve ser a msm coisa o carnaval e o reveillon!

beto disse...

acho interessante como podemos ir num mesmo evento e termos uma visão meio que oposta.

eu já tinha comentado com vc antes que não seria uma orgia romana à beira-mar (como o cruzeiro Freedom não é a versão marítima disso). conheço várias caras que foram nas já várias edições desses eventos com essa expectativa e acabaram frustrados. o que não quer dizer que não rola nada, rsrs, mas não é uma pegação com lugar e hora marcada, então o acaso joga um papel muito grande. por isso te aconselhei a aproveitar Salvador ao máximo antes pra não depender do acaso :-)

acho que sua sensação de ser mais leve tem muito a ver com ser apenas 2 noites, comparado com quase uma semana de jogação carnavalesca. concordo com vc que fica no tamanho certo, dá pra aproveitar sem sair quase em coma depois.

discordo de vc no quesito produção. festas da Rosane não tem nada demais, já foi a época... os coqueiros estavam iluminados com luz vermelha, o que dá um efeito lindo. acho que num cenário naturalmente belo como o do Sauípe "less is more". Só vou ressaltar que no ano passado havia um teto todo decorado com boias e outros motivos praieiros que tinha encaixado bem. esse ano nem isso. olha a foto aqui:
http://www.fotolog.com.br/rokatoo/39969769

mas eu tb meio que pouco me lixo pra decoração, o que me interessa é a música. Eu em geral odeio Ana Paula, mas gostei muito do set dela, e o long set do Peter foi excelente pro meu gosto (que é muito diferente do seu hehehe). Mesmo sendo a enésima vez vendo Mr.Rauhofer tocar.

Achei interessante o seu insight sobre não ter grandes variações de pique de festa. Realmente é isso mesmo, se passa o dia todo e não há aquele salto e expectativa da "noite começar". Se vc tivesse ido no primeiro Freedom, vc teria falado mais ainda isso, pois foram 72 horas de música na piscina com apenas 2 hrs de pausa nesse período todo!

sobre colocón: acho que vc foi muito generoso ou estava usando suas lentes cor-de-rosa. não que fosse 100% uma festa do alfabeto, mas vi muita gente colocada, vi vários sendo carregados por amigos, e vc sabe que um teve um enfarte. e eu vi, já com o dia claro, Paulo Otávio passeando abertamente na pista e depois no after na piscina sem a menor discrição...

P.S. tinha muito mais paulista que MG e DF lá. como em todos os eventos. mas pode ser que não fossem os paulistas que vc reconheceria.

Anônimo disse...

Paulo Octávio, ex-VG do DF??? Que explícito! Já tinha ouvido falar, mas não tinha certeza...

Alex Bez disse...

Thiago,
certamente os dias "tórridos" vividos em SSA fizeram toda a diferença na sua percepção do final de semana em Sauipe.
Voce nunca pensou em fazer aquele cruzeiro gay pelo Mediterrâneo? 08 dias em alto mar, com 04 mil veados do mundo inteiro e balada 24horas por dia!!! Um amigo foi e disse que além de não existir esta atitude carão-theweek, o clima que tomava conta era: ninguém-é-de-ninguém...

Vai rolar um post especifico sobre o MIX BRASIL que começa hoje? diz que sim, diz que sim, rsrs
abs,
Alex

K. disse...

confesso que esses mega eventos me deixam de bode. eles têm uma limitação de público meio básica... estão tão atrelados à the week (mesmo sem ligação direta) que parecem uma extensão das festas de lá...

e the week só é legal em doses homeopáticas. ;-)

mas pode ser que eu esteja com uma visão errada, porque deixei de frequentá-los bem rapido!

tommie disse...

Qual seria o foco atual? A música? Fui ao show do Crystal Castles e vi uma cena que lembrava muito o meio/fim dos 80s e começo 90s, com muita gente ´estranha´, um dress code bem individualizado (dentro do possível), e aparentemente muito interesse na música. Pra mim, que passei os últimos anos no gueto, foi meio surpresa ver essa gente, achei que não existissem mais.

Titia disse...

Adorei o post mas não entendo a graça de viajar ate' a Bahia para se esbaldar com um montão de viado paulistano sem a "cor do pecado" daquela terra linda e sempre generosa. E como comer acaraje' em Porto Alegre!

Thiago Lasco disse...

Mas aí é que está, titia: não são os mesmos viados de sempre! Foi um povo bem diferente! Os paulistanos ficaram pro Ultra Music Festival...

Anônimo disse...

Cara estivemos em Sauípe também pela primeira vez e achamos que ir ter muita putaria, o llugar era perfeito para isso e também festas e diversões, mas as pessoas hoje só querem saber de se colocar. Teve uma hora que achei um safadinho que poderia ser a salvaçÃo, mas quando chamei ele para um pega ele logo disse que queria ir lá ver o Pither tocar e que mais tarde nos encontrávamos. Foda. Cade a putaria e a sacanagem que sempre foi o mais gostoso das nossas festas? Mas tirando isso foi tudo muito bom, maravilhoso, gostamos muito e voltaremos em todos os anos.

Thiago Lasco disse...

Anônimo acima: fazer sexo is sooo last season! Completamente datado. As beeshas agora fazem fotossíntese! ;)

Anônimo disse...

Me poupe essa coisa de procurar só sexo na balada gay é algo retrógrado, do passado, uma atitude e mentalidade de gueto.

Daniel BSB disse...

E como foi o set do Renato Ratier? Ele tocou? O povo curtiu? Realmente, o foco e' a colocacao. A musica e' a mesma de sempre. Ha 5 anos. Preferiria ter ido ao Ultra Music Festival, mas acabei indo pro Rio, e foi excelente. Bem relax, jantarzinhos, e so'.