quarta-feira, 22 de junho de 2011

E agora?

Quando começaram a ser divulgados os DJs estrangeiros escalados para animar as festas da semana da Parada Gay de São Paulo, a simples ausência de Peter Rauhofer, tido por muitos como "o top dos tops", foi suficiente para dar início a comentários do tipo "a Parada está decadente!", "as festas serão calmas e modestas", "São Paulo mó-rreu" etc. Vi a programação dos clubes e achei que o alarde era exagerado: afinal, com mudanças mínimas, as festas de 2011 serão idênticas às dos anos anteriores.

A poucas horas do início oficial dos festejos, porém, estou começando a achar que os tempos mudaram mesmo. A esta altura do campeonato, o Facebook deveria estar em polvorosa e eu já teria recebido diversos e-mails e telefonemas de amigos de outros estados, todos pedindo dicas da cidade, perguntando sobre o meu roteiro e querendo marcar alguma coisa. Desta vez, eu é que tenho que procurá-los para saber quem vem, e em geral... ninguém vem.

Concordo que seria ingênuo pensar que os meus amigos e contatos são uma amostra representativa do meio gay. Talvez esse pequeno recorte não corresponda à realidade que se verá nos próximos dias. De qualquer forma, eu já notei uma queda sensível de público no ano passado, o que me sugere que o "caso isolado" de 2010 pode ser mesmo uma mudança de comportamento. O que estará acontecendo? Fiz essa pergunta a algumas pessoas que resolveram fazer a egípcia em 2011. "Agora temos festas boas em várias épocas e vários estados do Brasil, então não precisamos mais ir a São Paulo na Parada". "As festas perderam a graça, não estão trazendo mais nenhuma novidade". "Desta vez vamos pular SP e nos guardar para as festas de Barcelona em agosto". "Cansei um pouco de festa, a gente fica muito estragado".

Ou seja: para 99% das bilus, a Parada vale ou é lembrada exclusivamente pelas festas feitas pelos clubes. E nunca, de forma alguma, pela Parada em si. Ninguém pensa que este é um momento em que as atenções do país inteiro se voltam para nós, e portanto uma rara oportunidade que temos para dar um recado para a sociedade. Da Parada anterior para cá, importantes acontecimentos marcaram a nossa agenda, e se alguns foram positivos, como a decisão do STF reconhecendo uma união estável homoafetiva, boa parte deles representou retrocessos ou mesmo tragédias: a contaminação do Legislativo pelas bancadas religiosas, os ataques homofóbicos pela cidade, o descarte do kit anti-homofobia pela presidente na vã tentativa de proteger Palocci. Agora a Parada está novamente aí e, no entanto, estamos desperdiçando uma chance preciosa de nos posicionar sobre todos esses assuntos.

Entendo que parte da culpa pelo esvaziamento da Parada está nos seus problemas estruturais. Com o gigantismo do evento - causado muito mais pela carência de boas opções de lazer grátis para o povo, do que por um aumento do número de simpatizantes à nossa causa - fica difícil garantir conforto e segurança. Já falei sobre isso em outros posts. A festa na avenida foi ficando feia, vi várias cenas dantescas que me desestimularam e, no ano passado, resolvi nem aparecer. Mas acho que o momento político que vivemos pede uma mudança de atitude, e os gays ditos "esclarecidos" deveriam voltar à Paulista.

Se o evento se reduziu a um mero carnaval de rua, nunca é tarde para corrigir o foco. Uma atitude que certamente ajudaria: ligar a música mais tarde, abrindo espaço para que lideranças do movimento LGBT pudessem falar ao microfone. O percurso é longo: podemos deixar o trecho da Paulista para o comício e, na curva para a Consolação, os DJs começariam a tocar e instalariam o carnaval de sempre. Ou pelo menos fazer duas horinhas que sejam de manifestação, e depois começar a se embebedar e beijar na boca. É um desperdício ter uma quantidade tão grande de gente na rua, e não conseguir tirar disso nada de útil e proveitoso para a causa LGBT.

As bichas são alienadas? Sim, mas elas acessam os portais de notícias LGBT, ainda que seja para saber da Lady Gaga, ou dos personagens gays da novela das oito. Então esses veículos deveriam aproveitar sua condição de formadores de opinião para, além de vender revistas e assinaturas de sites de encontros, estimular a audiência a ter uma postura mais participativa. Não precisam pedir que as pessoas escrevam cartazes ou peguem em armas: basta que venham todos vestidos de preto, em protesto contra a escalada da homofobia. Ou de vermelho, pela celebração do nosso amor. Ou de branco, pedindo paz. Se a Parada perdesse METADE do público, ainda seriam 1,5 milhão de pessoas ocupando a Paulista vestidas da mesma cor. Uma bela mensagem. E não é tão difícil. É só questão de se articular! Boa Parada a todos, e nos vemos por aí.

[UPDATE: Aos leitores perdidos que pediram ajuda com as festas, faço aqui um apanhado rápido do que me pareceu mais interessante. Hoje: uma pedida para ver o povo num clima mais leve é a The Society, com o DJ Pagano. Mas se você prefere menos carão e mais beijação, se joga sem medo na Bubu, que também tem atração gringa e estará lotada. Quinta: eu recomendo a festona da TW no Moinho - se a Mooca é meio fora de mão, o som do Freemasons já vale o ingresso. Um plano B é A Lôca, sempre bem divertida. Sexta: resolvi fazer algo diferente, e vou apostar na Ursound - o público da festa está mais diversificado, o clima é bacana e a música idem. Quem é de fora e não está sempre aqui pode aproveitar para conhecer o Lions, bem legal. Ou então, noite clássica na The Week, com o duo Rosabel, para quem prefere jogar no seguro. Sábado: a GiraSol ainda é a festa mais esperada, prestigiada e comentada da temporada - e vai ser no Clube Nacional, locação que super funcionou no ano passado. Depois dela, ali pertinho, a Megga reabre com o Stephan Grondin, uma das melhores atrações desta leva. Domingo: quem estiver virado, ou mesmo descansado depois da GiraSol, pode se jogar no after luxurioso da Code, que avança tarde adentro. Mas tem a Parada, hein! No fim da tarde, tem repeteco da GiraSol e, à meia-noite, uma festa nova, chamada Babyy (assim mesmo, com dois 'Y'), no Hotel Cambridge, com a queridona Twisted Dee. Com mais público ou menos público, só não vai se divertir quem não quiser].

6 comentários:

beto disse...

nem sei por onde começar a comentar...
* achei interessante a sugestão de segmentar a parada, com uma parte "política" e outra "festiva". mas vc sabe que só meia dúzia apareceriam na primeira... e acho que os organizadores preferem ficar na ilusão de que os "milhões" que vão estão realmente interessados ou ao menos simpatizam com as causas LGBT;

* eu, que estou longe de ser um cara otimista, achei sombrio demais o seu diagnóstico da situação gay. a decisão do STF nos coloca num seleto grupo de países onde nossos direitos foram reconhecidos com uma abrangência que não achei que veria na minha vida. sempre haverá tentativas de retrocesso, como o juiz em Goiás, mas, nesse caso, o final foi feliz com uma reafirmação dos direitos conquistados. o mundo ficou maravilhoso? claro que não, mas agora temos armas muito mais poderosas para nos defender;

* 2010 não foi o ponto de inflexão do tamanho da parada. acho que 2008 foi o ponto máximo de público e desde então vem caindo - o que provavelmente é bom, pois uma coisa menor talvez alivie os problemas do gigantismo, os quais tornaram ir à parada bem complicado e desinteressante;

* acredito que qualquer evento anual (como as festas na época da parada) perde o interesse com o tempo. quem quer passar reveillon no rio, carnaval em floripa, ir ao H&H, ou coisa parecida por 10 anos seguidos? é natural esse esgotamento que seu círculo de amizades indica. por outro lado, sempre há gerações mais novas chegando e tomando o lugar dos que já não batem cartão - nem eu nem vc temos 20 e poucos anos e, querendo ou não, já não nos encantamos mais tão facilmente;

* mais forte ainda no meio gay é o prazer de xoxar tudo que foi sucesso em algum momento. sempre há gente desesperada pelo "next big thing", numa corrida insana que ninguém ganha no fim;

* eu vi o Pagano tocando no último H&H... e posso dizer que ele NÃO fez a pool party acontecer. 2/3 do set dele eram quase um lounge, talvez funcione melhor num lugar tipo Society, mas está longe de ser uma atração pra tacar fogo em qualquer pista...

* já fui do tipo que fazia questão de ir na parada "para fazer número" e até já levei minha mãe. hoje em dia acho mais importante aparecer nas manifestações que ocorreram no Arouche e no MASP depois daqueles ataques homofóbicos - ali sim 1, 2 ou 10 pessoas a mais faziam diferença. e quanto mais eu li sobre a parada, os organizadores, as infindáveis picuinhas internas, um discurso "centro-acadêmico-se-encontra-com assembleia-partidária" muito, mas muito focado no próprio umbigo, menos vontade de aparecer na parada eu tive. se isso é ser bicha-alienada, eu conscientemente resolvi ser.

Tiago disse...

Xará, a única vez em que eu me programei mesmo para ir à Parada aí em SP foi em 2007, mas aí o amigo que me acompanharia teve um problema aqui e eu preferi voltar para Brasília para dar uma força para ele. Acontece que eu fico imaginando que na época da Parada a cidade fica meio instransitável -- tipo impossível conseguir se sentar para comer, conseguir um táxi etc -- e por isso acabo ficando com preguiça. Mas concordo com você, se for algum dia vai ser para ir à Parada em si, as outras atrações eu acho melhor deixar para outros períodos.

MM disse...

O que aconteceu com a Parada Gay é a mesma coisa que aconteceu com a liberação da pornografia no Brasil. Perdeu o interesse, deixou de ser transgressora, subversiva, perdeu a graça. A classe média incorporou - do jeito errado, claro, como sempre faz com qualquer coisa da qual antes ela tinha medo. Agora, imagina um evento do tamanho da parada gay de SP com a música baixando pro "movimento" fazer seus dicursos. Mel Dels!!! Não ia sobrar ninguém pra contar a história. Quem ia aguentar tanta chatice. E realmente, é muito divertido ler e ouvir "nossa causa" sobre um fato da vida. Como na época da ditadura que eu via na USP que quem mais gostava da repressão era a militância engajada (afinal, uma não existe sem a outra). Havia um certo fetichismo no ar: "Como, vc nunca foi preso?" ou "O quê? Vc não tem ficha no Dops?". Well, mas isso deve ser apenas eu que não ligo a a mínima pra nada disso porque nunca pedi licença ou me desculpei pra ser como sou. Apenas vou vivendo. Até agora tem dado certo. Abs

Marcao disse...

Oi Thiago,
tempo que nao passava por aqui...mas os posts como sempre, mto bons.
Um abraco
Marcao

Lucas disse...

A falta de engajamento dos gays na Parada é assustadora.

Daniel Cassus disse...

Só hoje que li esse post, mas acho que a sua própria visão pode estar um pouco contaminada. Eu percebi o mesmo que você (eu mesmo sou um dos seus amigos que não deu as caras aí em SP) e acho que é porque o nosso círculo de amizades já está começando a pendurar as chuteiras. Não sei quanto aos demais, mas os 5 anos de 'festa duro' que eu tive já me parecem suficientes. A coisa agora vai ser bem mais low profile. Talvez todos os nossos amigos estejam agindo assim, mas sempre tem bee nova no mercado.